sábado, 18 de maio de 2013

Somos tão jovens


Se você viveu a década 80 certamente se lembrará, e se nasceu posteriormente também já deve ter ouvido tocando por aí esses sucessos musicais como Tempo Perdido, Será, Pais e Filhos e Que País é Esse, algumas das canções que marcaram a carreira de um dos mais influentes e célebres cantores e compositores brasileiros dos anos 80: Renato Russo.

Vocalista da banda Legião Urbana, ele faleceu em 1996 vítima da AIDS, deixando um legado de fãs e até hoje seu talento continua a repercutir e fazer sucesso entre todos aqueles que acompanharam sua trajetória e, até mesmo quem só conheceu seu trabalho após sua morte e virou seu fã – pelo menos os apreciadores da boa música. Agora todos poderão acompanhar e conhecer um pouco mais da vida de Renato Russo com a estreia do filme Somos Tão Jovens nos telões.

Com direção de Antônio Carlos da Fontoura, a trama narra o momento em que Renato (papel de Thiago Mendonça), cujo nome original é Renato Manfredini Júnior (1960 – 1996) se descobriu no mundo musical e formou sua primeira banda, chamada Aborto Elétrico, junto com os irmãos Felipe Lemos e Flávio Lemos – do Capital Inicial, por quem Renato tinha uma queda – e o sul-africano André Pretorius. Esta foi a chamada fase “punk” da vida do protagonista, na qual ele vivia no mundo do rock pesado e, junto com sua melhor amiga Aninha (Laila Zaid), personagem fictício, estavam dispostos a revolucionar a sociedade e mostrar a importância de se lutar pelos direitos da liberdade de expressão.

Nesta banda, as constantes discussões com o baterista Fê Lemos fazem com que Renato abandone o grupo e forme, mais tarde, o Legião Urbana, que seria responsável pela sua decolagem direta para o sucesso nacional. A produção ainda retrata no começo o problema que Renato desenvolveu desde os 15 anos de idade, quando foi diagnosticado com uma doença óssea, a qual fica nítida para o público quando ele sofre um simples tombo de uma bicicleta e vai parar no hospital, sendo obrigado a permanecer por repouso absoluto por alguns dias após a alta hospitalar.

O destaque de Somos tão Jovens certamente vai para o ator Thiago Mendonça, que não apenas soube repassar os trejeitos deste ídolo musical que conquistou diversas gerações, como fez um magnífico trabalho vocal que permite ao público viajar no tempo em que Renato Russo era vivo. A similaridade da entonação vocálica de Mendonça com a do verdadeiro vocalista da Legião é um forte quesito para o filme fazer jus à trajetória profissional do cantor. Sem contar que as músicas cantadas por Mendonça no filme foram gravadas ao vivo, o que apenas comprova o talento do ator tanto para as canções, quanto para a total incorporação do papel.

A retratação da biografia de Russo nos telões relembra outra produção que também foi sucesso nos cinemas e narrou a história de outro grande ícone musical: Cazuza. Todavia – ao contrário desta trama que abordou os principais acontecimentos desde o crescimento na carreira artística até a sua morte (Cazuza também morreu de AIDS), passando pelas agravantes conturbações pessoais envolvendo sexo, drogas e a questão da homossexualidade – a produção de Fontoura tem enfoque mais voltado à sua carreira, buscando realçar toda a desenvoltura de Russo até chegar à Legião, sem se ater à parte polêmica da sua vida e mostrar como ele contraiu AIDS.


Além disso, o filme retrata apenas o começo da formação do grupo Legião Urbana e quando Renato fica sabendo que irá cantar com a banda fora de Brasília, sua cidade natal, pela primeira vez.  A produção ainda tem os atores Sandra Corveloni e Marcos Breda no papel dos pais de Renato Russo.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

sábado, 11 de maio de 2013

Quase Normal


O que é normal para você? Será que existe um conceito unificado que possa explicar esse questionamento? Numa sociedade repleta de diversidades comportamentais, na qual ninguém é igual a ninguém, fica praticamente impossível formular uma única definição para a palavra “normal”.  Baseado neste quesito e nos inúmeros conflitos que assolam o psicológico de muitas famílias, o espetáculo musical Quase Normal traz para os palcos uma complexidade de fortes emoções dramáticas, repletas de mensagens que nos convidam a fazer uma análise pessoal interna de como lidamos com nossos problemas.

A peça se desenvolve em torno de Diana (Vanessa Gerbelli Ceroni), uma mulher que é frequentemente atormentada por transtornos bipolares e visões de seu filho primogênito jovem (Olavo Cavalheiro) – na realidade ele morreu ainda bebê. A dificuldade em aceitar a morte do neném é que faz com que Diana vá agravando seus transtornos psíquicos. Decorridos 17 anos da tragédia, ela continua atormentada com a perda e mal consegue dar atenção à sua filha, que nasceu pouco tempo depois da morte do menino.

A garota cresce então revoltada com a repulsa da mãe por ela, enquanto seu pai (Cristiano Gualda) tenta a todo o momento tranquilizar a esposa Diana e ensiná-la a ser forte. Todavia, diante da piora comportamental da protagonista, ele decide levá-la a um terapeuta (André Dias) e, a partir de então, inicia-se uma série de sessões de tratamentos diversos, incluindo uma pilha de remédios a serem tomados e até mesmo sessões de eletrochoque.

O espetáculo nos convida a fazer uma série de reflexões sobre as conturbações sentimentais que afligem o interior dos personagens, como o drama vivido não só por Diana em não conseguir aceitar a morte do filho, como do próprio esposo que se reveste de uma “armadura” para mostrar que superou a tragédia, quando na verdade ele faz de tudo para não tocar no assunto e desabar em prantos como a mulher.

Uma das lições tiradas por este grande drama é que, às vezes, a cura para determinadas doenças está em simples soluções, como um bom diálogo entre os membros da própria família, ao contrário de tratamentos medicinais que podem curar os males do corpo, mas jamais os da alma.

Com direção cênica de Tadeu Aguiar, o espetáculo revela o complicado desafio que é produzir um roteiro do gênero, tamanho o peso de seu contexto e ainda aliado ao formato musical, que geralmente trabalha em cima de temas mais voltados para a comédia e o romance com final feliz.

Quase Normal é uma adaptação da Broadway e sua versão original foi ovacionada por público e crítica, ganhando três prêmios Tony e um Pulitzer. A riqueza deste roteiro é tão grandiosa que, na versão brasileira encenada no Teatro FAAP, dá impressão de ser maior que o próprio elenco que encena o espetáculo. Mas a brilhante atuação da atriz Vanessa Ceroni é espetacular. Ela consegue transmitir perfeitamente seus conflitos psíquicos ao público e ainda encarar muito bem a difícil missão de cantar em tom pesado e dramático.

Sua atuação é a que mais parece estar realmente envolta na grande dramaticidade existente por trás do roteiro, ofuscando o papel de outros atores, como Carol Futuro e Victor Maia (que interpreta o namorado de Natalie), que se limitam a fazer apenas o que é delineado, sem ousar mais e sem mergulhar de cabeça no papel, que exige uma grande entrega. Vale ainda destacar a atuação de André Dias interpretando os terapeutas que cuidam de Diana.


No que tange à produção musical, que tem direção de Liliane Secco, a mistura de clássico, jazz, heavy metal e, principalmente, rock britânico (que se encaixa perfeitamente com o contexto “ilustrando musicalmente” a tensão da situação vivida no palco), se dá de forma espetacular. Em cartaz no Teatro FAAP, em São Paulo, a peça permanece apenas até o dia 12 de maio, por isso ainda dá tempo de conferí-lo e descobrir que para ser feliz não é preciso ser normal, apenas quase normal.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

terça-feira, 9 de abril de 2013

Alô, Dolly!


Dificuldades em encontrar a sua cara metade? Não tem mais esperanças em achar alguém para juntar as escovas de dente? Saiba que a solução pode estar mais próxima do que se imagina. Já pensou em recorrer à ajuda de uma “consultora de maridos/esposas”, ou – num português mais direto – a uma casamenteira? Que tal chamar Dolly? Esse é o foco da peça Alô, Dolly!, espetáculo baseado no musical que estreou na Broadway em 1964 e, dois anos depois, veio a ser montado no Brasil por Bibi Ferreira.

Agora a história se passa no palco do Teatro Bradesco. Desta vez é Marília Pêra quem vive a protagonista Dolly, uma casamenteira muito conhecida pelos habitantes do vilarejo onde mora, por eles consultarem os serviços dela em busca de seus amores.  Mas até o coração de Dolly não escapa das flechas do amor e ela acaba se encantando por Horácio Vandergelder (Miguel Falabella), um comerciante conservador e um pouco rabugento, que está em busca de uma esposa.

Dolly então arruma um encontro para Vandergelder com uma mulher em Nova York, mas na verdade a casamenteira quer mesmo é conquistar o coração do comerciante. Enquanto isso a filha dele diz estar apaixonada por um simples e pobre rapaz da região, algo que não agrada nada a seu pai devido, principalmente, às condições sociais do garoto.

E Dolly mais uma vez intervém com seu feeling romântico para que a filha de Vandergelder fique com o seu amado, sugerindo que o casal participe de um concurso de dança em um chiquérrimo restaurante em Nova York, para onde ela pretende mandar o amigo comerciante. O intuito é que o casal ganhe o concurso para impressionar Vandergelder e assim ele permita o casamento de sua herdeira com o amor dela.

Os empregados do comerciante, que são altamente explorados por ele e quase nunca tiram férias, elaboram um plano a fim de darem “uma escapadinha” para Nova York enquanto o patrão está fora da loja, com o objetivo de conhecerem a encantadora cidade e seus diversos atrativos, que para eles têm um significado muito grande, já que a vida de cada um praticamente se resume a cuidar da loja e ambos mal conhecem o que há além da pequena cidade onde moram. Muita confusão acontece a partir de então, quando todos partem à Nova York e ocorrem diversos encontros inesperados.

Esta versão brasileira de Alô, Dolly! é diversão garantida para a plateia, que se encanta com os personagens desde o começo do espetáculo criando uma grande empatia, a qual cresce a medida que o musical se desenrola. Não há como não destacar a esplendorosa atuação da atriz Marília Pêra que, em plenos 70 anos de idade, confere uma vivacidade e uma energia ao seu personagem, dotada de tamanho fôlego a dar inveja em muitas atrizes bem mais novas do que ela.

Marília trabalha em Dolly um humor muito bem dosado, desprovido de exageros desnecessários e assim consegue transcender perfeitamente entre o real e o imaginário, aumentando a crença do público no que se passa no palco – afinal a emoção cênica é construída na potencialidade de cada ator que consegue fazer com que a plateia se esqueça de estar assistindo a uma representação e acredite na história encenada, algo que depende exclusivamente do elenco e da forma como este é conduzido pelo diretor, já que neste quesito o aspecto cenográfico é mero complemento, pois um ator sensacional, em um palco desnudado de recursos, se basta para cativar o público.

Outra atuação magnífica é do ator Miguel Falabella – que também é o diretor do espetáculo e fez a adaptação da obra para esta versão brasileira. Junto com Marília Pêra os talentos de ambos se complementam e enriquecem demasiadamente o contexto cênico, que ganha um aumento deste humor gostoso e leve trabalhado na peça.

Um dos pontos fortes deste musical, a meu ver, está na correta e devida inserção das canções para “musicalizar” e “ilustrar” as cenas, já que a peça é composta por muitas falas e alguns diálogos possuem tamanha duração que até nos esquecemos, instantaneamente, de que se trata de um musical.


Todavia, tal característica apenas contribui para que esta produção se aproxime ainda mais da perfeição em sua totalidade, pois são diversos os espetáculos musicais cujos produtores, para fazer jus ao gênero, inserem músicas do começo ao fim, não valorizam as falas, e acabam alterando o contexto da trama original e tornando-a cansativa. Afinal não é porque se trata de um musical que o ator deve entrar e sair de cena cantando o tempo todo e Alô, Dolly! acerta em cheio neste quesito, além de arrasar em elenco, produção e cenário.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

domingo, 24 de março de 2013

A Busca



Um pai entra em desespero quando seu filho anuncia que passará o fim de semana na casa do amigo e simplesmente desaparece sem dar sinal de vida. Este é o cenário de A Busca, filme dirigido pelo estreante Luciano Moura.

No enredo Wagner Moura é Theo, um médico que vive discutindo com sua esposa (papel de Mariana Lima), com quem está em vias de separação. O casal tem um filho de 15 anos (interpretado por Brás Moreau Antunes). Num certo dia, Theo trava uma ferrenha discussão com o filho – em razão de uma cadeira dada ao menino pelo avô, pai do médico – e se exalta explosivamente com o garoto.

O conflito entre os dois detona o estopim para uma decisão do menino: ao sair de casa dizendo à mãe que passaria o final de semana na casa de um amigo, na verdade ele preparou a própria fuga.

Após constatarem que ele havia mentido e estava desaparecido, Theo e sua esposa entram em total desespero. Enquanto a mãe do menino fica em casa, por recomendação do próprio marido, para o caso de receber ligações que possam avisar sobre o paradeiro do jovem sumido, Theo sai numa busca desenfreada na esperança de encontrar o rapaz.

A partir de então ele vai encontrando uma série de pistas sobre os lugares em que o menino esteve. Com um tema interessante e que poderia ser bem mais explorado – inclusive para trabalhar melhor o raciocínio dos espectadores ao proporcionar um verdadeiro quebra-cabeça na elaboração de indícios que revelem progressivamente o paradeiro do filho de Theo – a forma como o protagonista é levado pelas circunstâncias a tentar achar o seu filho se dá de modo bastante previsível e linear, sem qualquer variação que possa gerar na plateia um tom de suspense, gênero muito bem-vindo e praticamente requerido neste tipo de trama.

O ator Wagner Moura, como de praxe, possui uma excelente atuação e consegue passar mais do que a composição de seu personagem requer no roteiro. No entanto, quem acompanha sua trajetória cinematográfica pode observar que ele já esteve ainda mais brilhante em produções como O Homem do Futuro, Vips e, é claro, o genial Tropa de Elite 2, que bateu recordes de bilheteria nacional. Todavia, o próprio contexto ameno do roteiro pode ter contribuído para a atuação mais comedida de Moura em A Busca.

Outro ponto de destaque é o fato de tanto ele quanto a Mariana Lima representarem de modo muito próximo à realidade o afloramento das emoções que se tornam mais intensas à medida que seus respectivos personagens vão permanecendo mais tempo sem saber notícias do filho.

O longa-metragem tem duração de 96 minutos e conta com a participação especial do ator Lima Duarte. 

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

sábado, 9 de março de 2013

Indomável Sonhadora



Uma história emotiva, forte e cheia de superações aos obstáculos que a vida pode nos proporcionar. Este é o cenário que compõe o drama Indomável Sonhadora. O filme é uma estreia do norte-americano Benh Zeitlin como diretor cinematográfico.

O roteiro se baseia nas aventuras dramáticas da personagem Hushpuppy, uma garotinha (interpretada pela atriz Quvenzhané Wallis, hoje com nove anos e que tinha seis à época das filmagens) que vive com o seu pai (Dwight Henry) em um alagado localizado no extremo sul da Louisiana, região totalmente isolada da parte civilizada dos EUA e uma das mais miseráveis do país. Ela vive conversando com os animais e sempre procura enxergar positivismo e beleza onde não há. A menina encara tudo transitando entre um mundo de fantasia e realidade, já que ela vive criando em sua mente imagens fictícias associadas ao que ela vê na vida real. 

Essa pequena parte da Lousiana é habitada por algumas famílias que residem em simples casas de madeira e se encontram em situação de extrema miséria, se sustentando a base de animais que elas matam para se alimentar. As condições de vida são semelhantes àquelas enfrentadas pelo homem na Idade Pedra, quando ele precisava sair à caça para garantir o seu alimento. Uma realidade que infelizmente ainda está perpetrada em diversos cantos do mundo real.

Os vizinhos da pequena Hushpuppy, sem terem muito o que fazer na região, ocupam a maior parte do tempo “enchendo a cara” com bebidas alcoólicas para se sentirem um pouco mais felizes e tentarem imergir em um mundo de ficção. Todavia, eles pretendem jamais abandonar suas moradias e deixam claro suas aversões à rotina dos cidadãos do mundo dito civilizado que, de acordo com a mentalidade deles, não passam de escravos do sistema.

O pai da protagonista da história é quem mais ressalta sua paixão pela região e seus modos de vida “selvagens”, ensinando a filha a se defender e garantir seu sustento, semelhante à forma como os animais ensinam seus filhotes a sobreviverem na selva.

Porém, os pobres habitantes de Louisiana não contavam com uma devastadora tempestade que destrói quase todas as casas do alagado, deixando poucos sobreviventes. Após resistir à tormenta, Hushpuppy e seu pai são obrigados a abandona o lar, ou melhor, os destroços que restaram dele, em busca de outro abrigo. A partir de então a pequena garotinha enfrenta uma série de aventuras e passa por novos intensos momentos – principalmente em relação ao seu pai – que exigirão dela muita garra e força, como ele mesmo sempre a ensinou, para encarar os obstáculos da vida, por pior que sejam, sem derramar uma lágrima de tristeza sequer.

Além de um diretor novato – que por sinal faz um excelente trabalho de direção e opta por planos de filmagens fechados, trabalhando com a câmera em diversos travellings (movimento de câmera que acompanha o deslocamento dos personagens e/ou o foco principal da cena) proporcionando uma grande aproximação da plateia com o drama vivido pelos personagens – o elenco conduz apropriadamente toda a trama, mesmo sendo constituído por atores novatos em experiência cênica.

Os destaques vão para o ator Henry e a pequena Quvenzhané, que surpreendentemente apresenta um crescimento explosivo em cena, à medida que ela imerge gradativamente em seu papel. Não hã como não se comover com a força que a personagem da garota trabalha dentro de si, tentando enfrentar as dramaticidades de sua vida sem chorar, o que se revela uma tarefa bastante difícil, principalmente para uma criança. Como muitos bons atores, que já têm anos de experiência no mercado, a garota soube internalizar sentimentos e controlar emoções, retratando brilhantemente o perfil psicológico da Hushpuppy. Não é à toa que ela foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz e, mesmo não tendo levado a estatueta, algo raro de acontecer com alguém da idade dela, a indicação foi merecida.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

domingo, 3 de março de 2013

O Lado Bom da Vida



Imagine ser chifrado pela mulher, perder a casa e o emprego logo em seguida, passar oito meses num sanatório – após ser acometido por um surto de transtorno bipolar em razão de tantos conflitos – e, depois, ter como único destino a casa dos pais, que será o ponto de partida para a construção de uma nova vida. Todos esses males recaem intensamente sobre o personagem Pat (Bradley Cooper), protagonista de O Lado Bom da Vida.

Extraído do livro homônimo de Matthew Quick, esta comédia dramática conta a história de um professor chamado Pat que, após flagrar a mulher fazendo amor com o amante debaixo do chuveiro – e ainda ao som da música tocada no casamento dela com Pat – entra em transe psicótico, perde o emprego e acaba indo para o sanatório sendo diagnosticado como bipolar. Após oito meses internado, ele vai morar com seus pais (papeis de Robert de Niro e Jacki Weaver).

Ainda obcecado pela esposa, logo nos primeiros dias após sua saída do hospital psiquiátrico, Pat passa madrugadas acordado chamando pela mulher dele, a quem ele demonstra amar muito, e em busca de vídeos de casamento deles. Para piorar a situação, ele foi proibido pelo juiz de se aproximar dela.

Enquanto isso, o professor tenta se esquivar de seu pai, quando este está sempre disposto a passar horas com o filho conversando sobre esportes, numa tentativa desesperada de se aproximar dele. Apesar disso não ficar tão perceptível de forma explícita, face à sutileza nas ações do pai, é possível observar um sentimento interior muito latente explodindo internamente em seu coração, desejo esse que o filho passe mais tempo com ele.

Os fortes transtornos bipolares do professor começam a se atenuar a partir do momento em que ele conhece Tiffany (Jennifer Lawrence), uma jovem viúva que, assim como Pat, fica em estado psicótico abalado também por causa de uma perda – no caso dela, a do marido – e, semelhante ao protagonista da história, não tem equilíbrio suficiente para reprimir seus impulsos e desejos, além de falar o que pensa para as pessoas. A garota já estava mal falada na região em que morava por ter feito sexo com várias pessoas após a morte do esposo.

No entanto, a situação também parece mudar para ela quando conhece Pat. A princípio, surge uma grande amizade entre os dois e a aproximação gradativa deles parece gerar uma ajuda mútua para que cada um aprenda a lidar com seus respectivos transtornos.

Sem perceber, Pat – que mesmo após a saída do sanatório pareceu continuar a viver em um mundo recluso da sociedade, totalmente obcecado por sua mulher, de modo a ficar imerso apenas em pensamentos que a envolvessem – começa a redescobrir, ao lado de Tiffany, os prazeres da vida em simples atividades do dia a dia, como andar pelas ruas, rir sem motivo e dançar.

Um sentimento muito mais intenso que a amizade começa a aflorar entre os dois, principalmente por parte da viúva, que deixa claro, pelo seu comportamento, o interesse em Pat. Já este ainda continua a falar da esposa, mas fica perceptível o carinho tão grande que ele tem pela nova amiga, o qual vai crescendo sem que ele mesmo perceba.

Com um contexto forte e dotado de alguns diálogos inteligentes e reflexivos, a história de O Lado Bom da Vida é fundamentada em como superar os problemas do dia a dia que muitas vezes parecem não ter solução, dada a gravidade de determinadas situações. Por tratar um tema tão enriquecedor – que certamente leva e levará muitos espectadores a refletirem um pouco sobre como aprender a resgatar forças inimagináveis para superar os grandes obstáculos existenciais e a como se levantar do chão, com força muito maior para combater as outras quedas que ainda estarão por vir – o diretor da trama, David O. Russell, poderia ter explorado e trabalhado melhor o assunto na interpretação e incorporação dos personagens pelo elenco.

Os atores-destaque do filme, Bradley Cooper e Jennifer Lawrence, estão bem em seus papéis e conseguem entrar no perfil de seus personagens, passando as respectivas mensagens de cada um, porém ambos, assim como os coadjuvantes, parecem apenas cumprir a função determinada no roteiro sem arriscar uma ousadia cênica, que poderia ser muito bem-vinda dada a caracterização da história.

Mesmo assim, as duas horas de trama acabam se tornando envolventes e criando até mesmo certa expectativa na plateia para saber qual será o futuro de Pat e Tiffanny. A produção foi indicada a oito estatuetas do Oscar e levou apenas o prêmio de Melhor Atriz para Jennifer Lawrence, de 22 anos – premiação cuja escolha talvez tenha ocorrido de modo inusitado pelos jurados da Academia. Para tirar as próprias conclusões, vale assistir o filme e descobrir tudo que envolve o lado bom da vida.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Argo encerra noite do Oscar 2013 com estatueta de Melhor Filme


Mesmo com contexto e filmagens enriquecedores, Argo não foi melhor que outros indicados



Com danças, cantorias e piadas sem graça de sempre (que insistem em marcar presença nas cerimônias do Oscar), a maior festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas deste ano não teve muitas surpresas, mas, diferentemente das ocasiões anteriores, uma premiação bem dividida entre os filmes indicados, dada a excelência de alguns que contribuiu para uma disputa bastante acirrada.

Um dos momentos surpreendentes talvez tenha ocorrido no desfecho da cerimônia quando ninguém menos do que a primeira-dama norte-americana Michelle Obama anunciou, direto da Casa Branca, o vencedor do Oscar de Melhor Filme 2013: Argo, produção que já vinha sendo cotada para vencer a categoria, levando-se em conta o histórico de premiações já conquistadas pela trama em 2013, as quais incluem Globo de Ouro por Melhor Filme e Direção (Ben Affleck) e o prêmio de Melhor Elenco pelo Sindicato dos Atores. A produção ainda levou as estatuetas, com toda a justiça, de Melhor Montagem e Roteiro Adaptado.

Mais até do que um meio de indução da indústria cinematográfica para a venda de seus produtos em todo o planeta, a escolha de Argo e sua divulgação pela Senhora Obama deve provocar no meio cinematográfico uma reflexão sobre a politização - ou o uso político - da premiação, não apenas como recurso para minorar a imagem tirânica dos EUA disseminada no Oriente Médio, principalmente em países como o Irã, Paquistão ou Iraque, como recurso para aumentar a popularidade governamental no âmbito interno.

Apesar dessa pretensa jogada, e da intensa repercussão nos países islâmicos, há que se ressaltar a forma agressiva como essa divulgação foi recebida por lá: só para citar um exemplo, a agência internacional islâmica FAR editou as imagens acrescentando mangas e tecido ao decote generoso da primeira dama norte-americana.

E por falar em supervalorização norte-americana, o filme líder em indicações (12), Lincoln, de Steven Spielberg, ganhou apenas duas estatuetas por Melhor Direção de Arte e Melhor Ator para Daniel Day-Lewis. Esta última premiação foi mais do que justa e não tinha como ser diferente, já que o ator foi espetacular na incorporação de Lincoln, um personagem tão grandioso e, ao mesmo tempo tão sutil, e que era pressionado pelo próprio cargo a interiorizar suas emoções.

Mas as láureas para Spielberg pararam por aí, já que, mesmo com todo seu esplêndido trabalho de direção, que parecia transportar a plateia do cinema para o contexto histórico onde se passa a trama, o prêmio de Melhor Direção foi para Ang Lee, diretor de As Aventuras de Pi, que a meu ver teve um excelente trabalho artístico, mas sua direção em geral não pode ser definida como a melhor entre os indicados. A produção de Lee ainda levou o Oscar de Melhor Trilha Sonora, Efeitos Visuais e Fotografia. As duas últimas premiações foram sim devidamente merecidas, em virtude do espetáculo de cores e luzes proporcionado aos olhos da plateia.

E, mesmo com a injustiça cometida com o diretor Quentin Tarantino, mestre dos longas de violência moderna, que ficou de fora da disputa à categoria de Melhor Direção – assim como Ben Affleck (Argo) e Kathryn Bigelow (A Hora Mais Escura), também surpreendentemente excluídos da indicação – ele ainda levou a estatueta de Melhor Roteiro Original, com seu filme Django Livre. Nesta mesma produção, há que se destacar o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante para o grandessíssimo Christoph Waltz, mais do que justo, dada sua fantástica interpretação como um sarcástico caçador de recompensas, cujo efeito foi capturar a atenção de praticamente toda a primeira parte da história para si.

Já o tão falado longa Os Miseráveis, que trouxe para os telões a magnífica obra de Victor Hugo na forma de um grandioso musical, ganhou três devidas estatuetas: Melhor Maquiagem, Mixagem de Som – o diretor Tom Hooper fez um trabalho de som  e acertou em cheio ao optar pela gravação das canções ao vivo – e Melhor Atriz Coadjuvante para Anne Hathaway, que estava totalmente imersa em seu papel do começo ao fim da trama, emocionando e envolvendo a plateia.

A Hora Mais Escura, que soube narrar nas devidas proporções como o terrorista Osama Bin Laden foi capturado e morto, levou apenas um Oscar de Melhor Edição de Som junto com o filme 007 – Operação Skyfall em um empate, algo raro de se acontecer nestas cerimônias.

E o prêmio de Melhor Atriz ficou para Jennifer Lawrence, atriz de O Lado Bom da Vida, filme que, apesar do bom contexto, tem um desenrolar simples e desprovido de surpresas, o que não justifica suas indicações - inclusive para Jennifer, que fez uma boa atuação, mas manteve a linearidade sem investir em muitas emoções. A surpresa deve ter sido tamanha que a própria atriz levou um tombo na escada de acesso ao palco, bem na hora de receber a estatueta.

Concluindo, com algumas indicações esperadas e outras não, para mim, a surpresa maior foi assistir a vitória de Argo na categoria Melhor Filme. Contando a história de como seis diplomatas norte-americanos conseguiram escapar do Irã, depois de serem ameaçados pela população local, a produção conduz bem a história, com apropriados planos de filmagem que criam suspense na plateia, mas nada tão espetacular que outros longas como Os Miseráveis e Lincoln não superem.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas