quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Trapaça


Corrupção, trapaça, traição, máfia! Esses são alguns dos temas que sempre estiveram à frente na lista de preferências da Academia Cinematográfica e que continuam se destacando nos filmes, tornando-se inclusive, em alguns casos, merecedores do Oscar: caso de O Lobo de Wall Street, de Martin Scorcese, que concorre à estatueta em cinco categorias, e de Trapaça, que concorre a dez categorias, liderando o número de indicações ao lado de Gravidade.  

Dirigido por David O. Russel, a comédia dramática Trapaça, como o próprio título sugere, mostra a vida de pessoas que estão sempre dispostas a trapacear em busca de benefícios próprios, revelando uma sociedade composta por muitos indivíduos egocêntricos, cuja ideologia é a do vale tudo para se dar bem na vida. É o caso do personagem e protagonista da trama Irving (Christian Bale), um trapaceiro que se veste de modo extremamente cafona e desleixado – com seu óculos quadrado, calças e peruca extravagantes – inclusive para os padrões da época de 1978, ano em que se passa a história. Naquele período era comum encontrar pelas ruas muitos cidadãos que destoavam entre a população com suas roupas de cores fortes e óculos gritantes, compondo um brega popular.

Ao lado de sua amante Sydney (Amy Adams), Irving arranca dinheiro de todo o tipo de pessoa sob a falsa alegação de que possui contato com os mais diferenciados bancos do mundo e promete devolver uma quantia muito maior do que a retirada, o que nunca acontece. Como os “clientes” de Irving sabem que seu suposto serviço é algo ilegal ficam impossibilitados de delatá-lo, temendo serem também punidos pela justiça. Ademais, o casal surrupia dinheiro vendendo obras de arte falsificadas.

Porém, a “festinha” do par de trapaceiros acaba quando eles conhecem Richie DiMaso (Bradley Cooper), um agente do FBI que apresenta um certo desequilíbrio temperamental. Richie se faz passar por um cliente de Irving e acaba pegando-os em flagrante trapaceando.  No entanto, o agente pretende pegar “peixes maiores” e por isso oferece liberdade para os dois trapaceiros em troca da delação de quatro corruptos de grande influência com quem eles mantêm contato.

O casal e o detetive acabam optando por armar um plano para prender o prefeito de Camnde, Nova Jersey (Jeremy Renner), usando um falso xeique árabe – que na verdade é um membro do FBI – que promete oferecer dinheiro ao prefeito para instalar cassinos na região, o que é considerado ilegal. Porém, a mulher de Irving (Jennifer Lawrence) pode por a perder todo o plano de seu marido e de Richie.

Concorrendo ao Oscar de Melhor Ator, há fortes indícios de que Christian Bale possa conquistar esta estatueta, pois ele consegue cativar o público por meio de seus trejeitos simples e desleixados, mas ao mesmo tempo gananciosos e trapaceiros. Como a riqueza do filme está totalmente voltada para a relação entre os personagens em detrimento de contextos históricos, cenográficos e afins... – sem desmerecer o impecável aspecto cenográfico que realmente nos transporta para a década de 78 – Bale é quem conduz a trama de um modo suave e natural demonstrando estar totalmente à vontade com o seu personagem.

Já Bradley Cooper, que concorre ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, talvez não seja o merecedor do prêmio por ter um demorado crescimento em cena, principalmente em relação à bipolaridade de seu personagem, que só fica clara em um dos momentos em que ele agride seu chefe. Outro destaque, no entanto, é a atriz Jennifer Lawrence no papel da mulher sempre nervosa e explosiva, face ao complicado relacionamento com o marido. Desde o começo do filme Lawrence está totalmente envolta no papel e consegue até mesmo conferir mais vivacidade para as cenas em que aparece. Não é à toa que ela está concorrendo ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante e com grandes chances de levar o prêmio. Amy Adams também concorre ao Oscar, na categoria Melhor Atriz.


Trapaça traz de forma sutil uma história cujos temas poderiam compor um filme de cunho muito mais pesado. No entanto, o diretor soube trabalhar muito bem todos os elementos sem deixá-los superficiais e, ao mesmo tempo, desnecessários de vulgaridade e apelações. Contribuem para isso a excelente trilha sonora com canções de Donna Summer, Tom Jones e Elton John que cria ainda mais empatia nos espectadores.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A menina que roubava livros


Os livros podem tornar-se nossos melhores amigos ao nos trazerem aquilo que jamais poderá ser tirado de nós: o conhecimento. É em razão da incessante busca dele que uma pequena e simples garota está disposta a enfrentar o que for preciso para conseguir mergulhar em mundos diferentes através dos mais variados livros. Trata-se da personagem de A Menina Que Roubava Livros, produção baseada no best-seller homônimo de Markus Zusak.

A história se passa no período da Segunda Guerra Mundial (1938), na Alemanha nazista, e ocorre em torno da menina Liesel (Sophie Nélisse), que é adotada por um casal composto por uma rude senhora (Emily Watson) e um sereno homem (Geoffrey Rush), após ser deixada por sua mãe comunista e ter perdido seu irmão, um garotinho ainda mais novo do que ela.

A paixão da garota pela leitura é despertada quando – pela primeira vez na vida e com a ajuda do pai adotivo que, como ela, também tem dificuldades na leitura – ela lê um manual do coveiro, que foi guardado por ela depois de encontrá-lo no cemitério onde seu irmão foi enterrado. O gosto pela leitura só cresce à medida que ela tem contato com novas obras literárias e, especialmente, quando conhece um jovem judeu (Ben Schnetzer), que acaba sendo acolhido pelos pais adotivos dela e, enquanto ele permanece escondido na casa de Liesel para não ser pego pelos nazistas, a garota começa a roubar livros para ler as mais diferentes histórias para seu novo amigo.

Apesar de muitos críticos e fãs da obra escrita terem criticado a produção cinematográfica por esta ser pouco fiel ao livro de Zusak, o filme consegue sintetizar as principais lições trazidas pela história e ainda emocionar os espectadores, especialmente no final, ao provocar uma boa reflexão sobre a inevitável e temida chegada da morte, que também é muito bem retratada no decorrer da produção.

Embora a Segunda Guerra Mundial constitua o contexto histórico da trama, ela acaba sendo tratada de modo mais generalizado e superficial, dando ao espectador um leve toque sobre a real densidade do conflito. No entanto, nada que desprestigie o filme no geral, já que ele apresenta um ponto de vista muito mais embasado na vida de Liesel do que se aprofundar em maiores detalhes do cenário de guerra.

O pequeno ator Nico Liersch, que faz o menino Rudy, um amigo de Liesel que vive arrumando pretexto para beijá-la, está muito bem em seu papel de um garoto que aparenta certa maturidade para sua idade e se comporta quase como um adulto diante de Liesel – certamente também querendo impressioná-la – com exceção dos momentos em que ambos se esquecem do restante do mundo e vão brincar como crianças que são.

Rush é outro que merece destaque, fazendo o pai adotivo sempre compreensível e paciente, especialmente com sua mulher que sofre de constante mau humor. Vale ressaltar a relação entre ele e a filha adotiva, principalmente no momento em que ambos vão descobrindo o indiscutível prazer trazido pela leitura, já que ele também tem dificuldades em ler. 

Por Mariana da Cruz Mascrenhas

domingo, 9 de fevereiro de 2014

O Lobo de Wall Street


Sob a magnífica direção de Martin Scorcese, esta quinta parceria entre ele e o ator Leonardo DiCaprio nos telões mais uma vez mostra-se arrebatadora. Após Ilha do Medo (2010) – última produção antes de O Lobo de Wall Street, emoldurado pela forte presença de direção de Scorcese e que apresentou DiCaprio no ápice de seu trabalho de transformação cênica, numa de suas melhores atuações – esta nova produção mantém a cativante sinergia entre diretor e ator.

No filme, DiCaprio interpreta Jordan Belfort, um jovem auxiliar de agente do mercado financeiro que, aos 22 anos, se torna extremamente ousado, após a demissão de seu emprego motivada pela queda na Bolsa de Nova York, e arruma um novo trabalho numa empresa que vende no mercado negro ações de firmas pequenas, sem muita chance de longevidade. Nela o protagonista vai fomentando sua ambição de se tornar milionário usando os recursos aprendidos no emprego anterior para enganar investidores, especialmente os endinheirados, utilizando a boa retórica de trapaceiros e corruptos para conseguir extrair dinheiro deles a qualquer custo.

Ele passa a contar com uma série de figuras atrapalhadas e totalmente desajustadas – como seu companheiro Donnie Azoff (papel de Jonah Hill) – para cometer todo tipo de ilegalidade, até que ele abre a própria empresa junto com seu sócio Azoff e enriquece rapidamente à base apenas de um bom discurso mentiroso e persuasivo.

Uma das grandes sacadas trazidas pelo diretor é o tom exagerado com que ele conduz esta trama, mostrando durante quase todos os 180 minutos de duração o protagonista e seus companheiros envolvidos em drogas, sexo e muitas festinhas realizadas por meio de gastos mais do que exagerados de Belfort, graças a seu enriquecimento ilícito. Há quem se assuste com os personagens aficionados por drogas e dinheiro cheirando cocaína sobre as nádegas e os peitos das prostitutas e, no caso de Belfort, sobre o corpo de sua amante, a capa de revista masculina Naomi Napaglia (Margot Robbie), que acaba virando sua segunda esposa assim que a primeira mulher de Belfort descobre seu affair.

Mas é justamente este o efeito desejado pelo diretor, procurar chocar os espectadores de um modo reflexivo, através da forma totalmente descontrolada e desregrada na qual vivem muitos endinheirados corruptos nos dias de hoje, graças ao dinheiro extraído ilegalmente de outras pessoas – ressalve-se aqui que na vida real existem muitos casos semelhantes, tornando as cenas retratadas no filme não tanto estereotipadas assim. No entanto ele acaba equilibrando a trama com uma dose de humor totalmente sarcástico que mais diverte a plateia do que a faz refletir sobre a sociedade de hoje.

O Lobo de Wall Street concorre ao Oscar 2014 em cinco categorias incluindo Melhor Ator para Leonardo DiCaprio – que possui grandes chances de levar o prêmio, já que se mostra incrível em seu papel, aparecendo durante quase todo o tempo do filme encarnando a grande transformação de um simples jovem a um pilantra extremamente sarcástico e aproveitador – Melhor Diretor para Martin Scorcese – que certamente vem forte na disputa pela estatueta – Melhor Ator Coadjuvante para Jonah Hill, Melhor Filme e Roteiro Adaptado.

Apesar de se mostrar fantástica na combinação de sarcasmo e realidade de maneira reflexiva, com a brilhante parceria do protagonista e seu diretor, a produção talvez não seja a favorita para levar o prêmio Melhor Filme pecando em alguns quesitos como o tempo de duração, extenso para sustentar uma história que se mostra bem prolixa ao trazer os lazeres insanos dos personagens de modo bem cíclico – mas nada que tire a intelectualidade do filme. Principalmente porque está é uma trama que foge das convencionais, justamente por usar a sexualidade de modo justificável e inteligente com uma intenção crítica à sociedade, ao contrário de muitos filmes, peças e programas televisivos que se mostram extremamente vazios e usam a pornografia apenas para preenchê-los de modo totalmente vulgar e inútil. 

Mariana da Cruz Mascarenhas