sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Homens, Mulheres e Filhos


A tecnologia avança a passos cada vez mais rápidos e se tornou presença constante na rotina dos seres humanos, aprisionando-os verdadeiramente estejam onde estiverem, pois, sem ela, muitos não conseguiriam mais trabalhar, se conectar, se informar, enfim, interagir com o universo.

Tal dependência torna-se mais dramática quando esta interação virtual torna-se tão necessária na vida das pessoas a ponto delas preferirem se comunicar por telinhas e telões a travar uma conversa pessoal. Pois é este chamado vício tecnológico que é muito bem abordado no filme Homens, Mulheres e Filhos, com direção de Jason Reitman – dos filmes Juno (2007) e Amor sem Escalas (2009) – e adaptação do livro homônimo de Chad Kultgen. 

A trama narra as vidas de personagens problemáticos, como o garoto de 15 anos que só consegue ficar excitado quando vê vídeos pornográficos na internet e não têm o menor sucesso com as garotas na vida real e cujo pai (papel de Adam Sandler) também adora ver vídeos do gênero no computador; um rapaz viciado em videogames (papel de Ansel Elgort, destaque de A Culpa é das Estrelas) e que vê  neles uma válvula de escape para suportar a frustração de sua mãe ter abandonado ele e o seu pai para ficar com outro homem; uma menina anoréxica que recorre a conselhos de outras anoréxicas na internet sobre como evitar a comida; uma mãe superprotetora que rastreia todas as contas da filha na internet, bem como seu celular e uma mãe que quer tornar a filha famosa a todo custo nem que para isso seja preciso divulgar fotos íntimas da garota.

Todas estas histórias reúnem os diferentes universos de adultos e adolescentes que acabam culminando num ponto comum: o vício pela tecnologia, que se torna o cerne dos problemas destes personagens, os quais a utilizam como alternativa para viverem num mundo virtual paralelo, já que não conseguem encarar as dificuldades do mundo real. Isso fica claro na forma como a mãe superprotetora está preocupada apenas em rastrear a filha – mas não dedica nem sequer um minuto para conversar com ela sobre a vida da garota – ou do menino viciado em vídeos pornôs que vive isolado em seu quarto e também não tem momentos de diálogo com os seus pais.

Trata-se de um excelente roteiro para fazer os espectadores repensarem a forma como a sociedade está conduzindo suas vidas e, principalmente, os relacionamentos com seus familiares, pautados especialmente pelo uso excessivo da tecnologia, que está suprindo o contato físico e o olho no olho. Homens, Mulheres e Filhos tem sido aclamado pela crítica justamente pela forma inteligente como aborda a invasão tecnológica na vida do ser humano e por suas histórias chocarem o público, pois, por mais dramáticas que sejam, são fatos cotidianos da vida real.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

domingo, 14 de dezembro de 2014

Tim Maia


Depois do sucesso de público contando a sua história nos palcos teatrais, principalmente em razão da atuação de Tiago Abravanel no papel principal em várias sessões, o cantor carioca Tim Maia foi parar nos telões. Assim como o espetáculo teatral Tim Maia – Vale Tudo, o Musical, o filme Tim Maia é uma adaptação do livro de Nelson Motta, Vale Tudo.  

Se no teatro os espectadores puderam acompanhar a biografia de Tim – preenchida sempre pelo seu excelente repertório musical, dando um bom enfoque à vida pessoal e artística – no filme, a história de Tim já é contada sob uma perspectiva muito mais voltada para a vida pessoal do artista, talvez frustrando aqueles que ansiavam por um filme que retratasse melhor o grande talento que ele representou.

Na trama cinematográfica, os atores Babu Santana e Robson Nunes se destacam nos telões revezando-se para interpretar o cantor. Enquanto o primeiro faz o papel do Tim Maia mais jovem, entregando marmitas, enfrentando dificuldades para ascender em sua carreira artística, criando a banda Sputniks – que também tinha como integrantes os cantores Roberto Carlos e Erasmo Carlos em começo de carreira – e a tentativa de ascensão na carreira numa viagem ao EUA, Nunes já encara o Tim adulto, levando uma vida totalmente regada a sexo, álcool e drogas.

O longa é narrado pelo personagem Fábio (Cauã Reymond) que também aparece nos telões como o amigo de Tim e que o acompanhou durante boa parte da sua carreira, desde a ascensão artística até a decadência por conta de sua vida completamente desregrada. Mesmo alguns fãs que já conhecem mais a fundo a vida do artista, poderão chocar-se um pouco com o perfil de Tim Maia.

São 140 minutos de trama que mostram o lado mais agressivo do cantor – que costumava resolver algo que não lhe agradasse por meio de ofensas verbais ou saindo na porrada – e também seu egoísmo, refletido no modo como ele conduzia suas atitudes, sem se importar com opiniões e conselhos alheios, chegando, num dado momento de sua vida, a ser esquecido pelos produtores de shows em razão do seu comportamento rebelde. Muitas vezes ele recusou convite para shows e se isolava em sua casa, em meio às alucinações que ele sofria em decorrência das drogas.

O sucesso artístico de Tim não deixa de ser mostrado no filme, porém numa proporção muito menor à que ganha a sua conturbada vida pessoal, de modo que a trama acaba se tornando extensa e cansativa, focando no desgaste físico do cantor em razão de seus vícios, os quais são retratados em cenas repetitivas e longas.

A própria narração de Cauã Reymond revela-se por ora excessiva, atrapalhando uma maior aproximação entre personagens e telespectadores, de modo que estes acabam vendo a trama como observadores e não adentrando mais a fundo no mundo interno de Tim Maia por meio de uma relação empática. Não que a narração seja desnecessária, todavia poderia dar maiores espaços para que as cenas por si só acontecessem e “falassem” ainda mais com o público, no que tange ao aspecto emocional.

Mas não há como não ver Tim Maia tanto nas atuações de Babu Santana quanto na de Robson Nunes. Ambos revelam-se verdadeiros talentos ao decorrer da trama e acabam trazendo uma lição de que nós podemos ser nossos piores inimigos se não valorizamos os dons e talentos que desenvolvemos.  

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Frida y Diego


Drama, comoção e dor são algumas das características que marcam o contexto – pesado, porém genial – do espetáculo teatral Frida y Diego, com direção de Eduardo Figueiredo. O enredo apresenta trechos da vida pessoal de Frida Kahlo (1907 – 1954), pintora mexicana que ficou conhecida em diversas partes do mundo graças às suas pinturas, as quais ela expôs em diferentes países.

Os cerca de 90 minutos de espetáculo dão enfoque à conturbada vida de Frida (Leona Cavalli) com seu marido e também pintor Diego Rivera (José Rubens Crachá), que a traía constantemente com as diversas mulheres que conhecia em galerias, eventos e afins. Mesmo com o consentimento de tantas traições, Frida – que também chegou a trair seu marido algumas vezes – alegava amá-lo muito e não queria separar-se dele. 

Para complicar ainda mais a situação, a artista tinha fortes dores na coluna, dificuldades de se locomover e, mesmo sabendo não poder ter filhos, fez algumas tentativas, sem sucesso, o que a deixava muito magoada.

Todos estes problemas físicos foram se agravando ao longo do tempo devido a dois momentos difíceis que ela enfrentou em sua vida: Frida contraiu poliomite aos seis anos de idade, sendo esta a primeira de uma série de lesões, acidentes e doenças que a acometeriam ao longo da vida. Já aos 18 anos, ela foi assolada por uma tragédia muito pior: ao sofrer um acidente de bonde, que se chocou num trem, o para-choque de um dos veículos perfurou suas costas saindo por sua genitália. Depois disso, ela teve que reconstruir todo o seu corpo no hospital e, desde então, jamais deixar de usar coletes ortopédicos.

O excesso de bebida alcoólica e de cigarro também esteve presente na vida de Frida e Diego – principalmente da pintora, que dizia “eu bebo para afogar minha dor, mas a maldita aprendeu a nadar”.

Complementam o elenco do espetáculo os músicos Arthur Decloedt (contrabaixo) e Wilson Feitosa Jr., que tocam músicas temáticas ao vivo dos lugares onde Frida e Diego moraram e também visitaram para expor suas obras, incluindo cidades no México, EUA e França.

É impossível assistir a esta peça e ficar indiferente às atuações de Leona Cavalli e José Rubens Crachá, principalmente de Leona que, por conta das exigências de sua personagem, se destaca mais em cena. Chega a arrepiar uma de suas atuações em que Frida se vê desesperada com a sua fragilidade física e a forma como ela é traída pelo marido, que, apesar de tudo, dizia amá-la muito e que não conseguia ficar sem ela.


Leona parece sentir na pele o sofrimento de sua personagem interpretando na medida certa a mistura de tristeza, angústia e dor que pareciam querer explodir dentro dela a todo o momento, comovendo os espectadores, especialmente por se tratar de uma história verídica e tão dramática que Frida viveu.  

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

domingo, 30 de novembro de 2014

Rita Lee Mora ao Lado


A noite do último domingo (23/11/14) foi muito especial para a atriz Mel Lisboa e mais 15 atores que se emocionaram neste dia. Eles integraram o elenco do espetáculo musical Rita Lee Mora ao Lado, que ficou em cartaz durante oito meses no palco do Teatro das Artes, em São Paulo, e encerrou sua temporada no dia 23 de novembro.

Adaptado do livro Rita Lee Mora ao Lado – Uma Biografia Alucinada da Rainha do Rock, de Henrique Bartsch, a peça traz para o palco alguns trechos da vida de Rita Lee (Mel Lisboa) misturados com cenas fictícias da vida de uma vizinha da cantora (Carol Pontes) que acredita ser vítima de uma maldição e que faz o seu destino e o de Rita sempre se cruzarem de alguma forma.

Com o desenrolar do roteiro gradativamente a peça ganha energia, mas acaba se destacando muito mais pelo repertório musical – que por si só é o suficiente para embalar o público, dada sua riqueza sonora – do que pela própria história, que traz fragmentos aleatórios da vida da cantora, misturados ao fraco contexto que envolve a vida da “vizinha” de Rita.

No entanto, são memoráveis as coreografias de todo o elenco, sempre muito bem sincronizado com os ritmos musicais e cuja energia contagia os espectadores – principalmente os fãs de Rita Lee que cantam junto com os atores as músicas da artista.


Não há como não elogiar a atuação e figurino da atriz Mel Lisboa, que praticamente fica irreconhecível nos palcos e encarna a Rita Lee com perfeição, não apenas fisicamente, como também incorpora todos os trejeitos e formas de andar da cantora. O ator Fabiano Augusto também se destaca num dos momentos do espetáculo, quando interpreta o famoso cantor Ney Matogrosso, incorporando seus trejeitos de forma bem naturalista, sem se deixar levar pelo caricato. Rita Lee Mora ao Lado teve direção de Débora Dubois e Márcio Macena. 

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

sábado, 15 de novembro de 2014

Gandhi, Um Líder Servidor


Desapego! Quantas vezes nós já ouvimos essa palavra em nossas vidas e sobre o bem que a sua prática pode nos fazer? Desapego às coisas materiais, ao egoísmo, aos atos violentos, enfim, a tudo aquilo que pode nos envolver em um grande e perigoso círculo vicioso, o qual nos faz enxergar apenas a nós mesmos, como seres dispostos a fazer de tudo para chegar ao topo – seja do sucesso, da riqueza, etc – sem se importar com os demais.

É preciso se desapegar de tudo que nos faz mal! Dizer essa frase é fácil, mas difícil mesmo é cumpri-la em sua totalidade. Afinal, infelizmente, o mundo está repleto de seres humanos que se afundam em vícios dos mais prejudiciais possíveis e se recusam a sair deles. Estas e muitas outras questões reflexivas que mexem com nosso emocional são levantadas no monólogo dramático Gandhi, Um Líder Servidor, em cartaz no Teatro Ruth Escobar.

Com direção de Paulo Moretti, texto de Miguel Filiage e Bene Catanante, a peça se passa num pequeno teatro de arena, onde o ator João Signorelli interpreta Mohandas Karamchand Ghandi (1869 - 1948), líder espiritual e pacifista indiano que influenciou e continua influenciando gerações do mundo todo com seus ideais em prol de um mundo mais pacífico e fraterno. 

Nascido na cidade indiana de Bombaim, Gandhi - que recebeu o título de "Mahatma", que significa "grande alma" em sânscrito - passou a infância e a adolescência na Índia, onde foi educado, e, ao tornar-se adulto, foi estudar Direito em Londres. Em 1914, após ter atuado como advogado em defesa da minoria hindu, na África do Sul, ele retorna à Índia iniciando uma campanha de paz entre hindus e muçulmanos, que sempre estavam em conflito. Ele também se posicionou contra a dominação britânica sobre a Índia, jamais apelando para a violência, mas por meio de ideias brilhantes que são contadas no monólogo.

Este grande líder espiritual se destacou muito por pregar sempre formas pacíficas de manifestação por meio de greves, passeatas, jejuns e retiros espirituais - ele mesmo costumava jejuar com frequência para se purificar. Gandhi persuadiu povos e políticos a aceitarem seus ideais de não violência, sendo uma das principais figuras na independência da Índia. Ele conseguiu perpetrar a paz entre muçulmanos e hindus, mas acabou sendo assassinado, em 1948, justo por um extremista hindu.

Durante os 50 minutos de duração de Gandhi, Um Líder Servidor, o público faz uma verdadeira terapia espiritual com as belas palavras que eram pregadas pelo líder indiano, proclamadas pelo ator Signorelli. A peça transcende a época em que Gandhi viveu, narrando algumas de suas passagens, e alcança a época atual na qual o ser humano sofre com a falta de água, os conflitos no Oriente Médio e muitas outras questões que mostram que, mesmo com o passar dos anos, as pessoas ainda têm muito o que aprender sobre o verdadeiro significado da vida.

Não há palavras que descrevam o brilhantismo de Signorelli em sua atuação, resgatando com profundidade este grande influenciador indiano tanto na aparência física como na entonação das palavras. O ator incorpora o personagem, demonstra sentir dentro de si cada mensagem dita por ele, de modo que ela não é apenas proclamada da boca para fora, mas sim de seu coração para tocar o coração de quem o assiste. E ele consegue muito bem fazer isso.

Há momentos inclusive nos quais é difícil segurar as lágrimas, dada a emoção verdadeira contida em muitos de seus diálogos, que também lembram a vida deste homem indiano, que alcançou a plenitude por ter encontrado a sua paz interior sem precisar de qualquer riqueza material para viver e assim encontrar a verdadeira felicidade, que se mostra duradoura e nunca se acaba. Felicidade esta que se reflete em seu rosto sorridente e sereno, o qual, ao ser interpretado por Signorelli, também consegue transmitir uma calmaria e um bem-estar a todos que acompanham o monólogo. O tempo passa sem percebermos.

Trata-se um espetáculo com cenário simples cujo foco está no poder das palavras que ganham vida na boca do ator e que nos fazem refletir como o ser humano muitas vezes busca a verdadeira felicidade pelo mundo todo e não a encontra, pois esquece de procurá-la num lugar essencial: dentro de si mesmo.

“Só o amor cura, nutre, une, entusiasma, faz nascer, alivia, materializa, motiva... possibilita a vida!” Mahatma Gandhi

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

domingo, 9 de novembro de 2014

Cada Dois Com Seus Pobrema


Conhecido por levar inúmeros espectadores a gargalhar nos teatros – onde ele se revela um verdadeiro astro da comédia teatral brasileira – e famoso também nas telinhas – por ter feito inúmeras novelas destacando-se, por exemplo, em Belíssima, como o açougueiro gago chamado Fladson e atualmente interpretando o espírito de um médico cirurgião em Alto Astral – o ator, autor e diretor Marcelo Médici volta para os palcos no Teatro Shopping Frei Caneca com o espetáculo Cada Dois Com Seus Pobrema, com direção de Paula Cohen.

Após dez anos da estreia de Cada Um Com Seus Pobrema, peça produzida e encenada por Médici que foi um tremendo sucesso de público, neste novo espetáculo o ator resgata seus diferentes personagens encenados nos palcos há dez anos e que conquistaram espectadores de todas as idades com seus trejeitos e discursos originais e bem elaborados.

A peça não é uma continuação de Cada Um Com Seus Pobrema, mas sim um resgate não só dos seus personagens como de grande parte de suas falas. No entanto, esta revelação só ocorre na segunda metade da peça, já que ela se inicia com dois personagens que são atores, feitos por Médici e o ator Ricardo Rathsam, que estão encenando uma divertida comédia cujo cerne é uma entrevista de um jornalista a uma atriz completamente amalucada e que vive reclusa. Enquanto Rathsam encara o repórter, Médici diverte a plateia encarando a atriz maluca e também a governanta, que trabalha para esta atriz e que de normal também parece não ter nada.

Depois de um tempo, a cena é interrompida por um conflito entre os personagens atores e a seguir o público é levado a relembrar ou conferir pela primeira vez os famosos personagens encarados por Médici em Cada Um Com Seus Pobrema, como o Mico Leão Dourado, a apresentadora de programa infantil que não se simpatiza muito com criança, Tia Penha, e o motoboy corintiano Sanderson – personagem que também teve algumas participações no seriado televisivo Vai Que Cola, exibido pelo Multishow, e que foi sucesso de audiência – entre outros.

Quem já conhece estes cômicos personagens talvez já não ache tanta graça, até mesmo pelo fato de muitas falas já serem repetidas, ainda assim é válido relembrar e conferir novamente o talento deste grande humorista que é o Marcelo Médici, que consegue envolver o público com seu humor diferenciado e cativante, com um domínio e uma naturalidade que poucos humoristas brasileiros possuem. 

Mas quem quiser conferir o espetáculo deve se apressar, pois ele permanecerá em cartaz apenas até o dia 26 de novembro e já está com quase todas as sessões esgotadas.

Por Mariana da Cruz  Mascarenhas 

domingo, 2 de novembro de 2014

Caros Ouvintes


O ano é 1968 e estamos diante de um estúdio de rádio, onde será transmitido o último capítulo de um dos folhetins mais aguardados pelo seu público. Este é o cenário da peça Caros Ouvintes, comédia dirigida por Otávio Martins e que faz referência à história das radionovelas no Brasil, relembrando este período para alguns espectadores e imergindo quem não viveu ou não se lembra desta época no mundo das novelas transmitidas apenas pelo rádio.

 No palco do Teatro MASP, os atores encaram um grupo de personagens que compõe o elenco das radionovelas de uma emissora, cada um com personalidades fortemente expressivas. Vicente (Petrônio Gontijo) é um agitado produtor dos folhetins que possui um caso com uma das atrizes, Conceição (Natallia Rodrigues).  

Vespúcio (Alexandre Slaviero) é o publicitário cujo cliente patrocina a radionovela e que também patrocinará a primeira telenovela brasileira, indicando o possível fim das radionovelas, pois é a era da chegada da TV. Um sonoplasta meio amalucado e hiperativo (Alex Gruli), um galã que já trabalha há anos na rádio, uma cantora decadente (Amanda Acosta), entre outros, também são alguns dos integrantes do elenco da radionovela.

Prestes a apresentar o último capítulo do folhetim, desta vez ao vivo, o elenco enfrenta uma série de complicações, como o sumiço de um dos seus integrantes – que é justamente o protagonista da radionovela –, as intervenções sem sentido do publicitário – que se acha o dono do elenco simplesmente pelo fato de seu cliente patrocinar a radionovela – e a grande confusão gerada nas ruas do país pelas manifestações contra a ditadura militar na época – que acabam gerando certos manifestantes próximos à rádio.

Uma história rica em cultura, sensibilização e que soube contar um período marcante para o Brasil, seja em relação à política brasileira, seja em relação a chegada da televisão, prenunciando o fim das radionovelas, e cujo drama acaba sendo atenuado em Caros Ouvintes com piadas muito bem elaboradas e inteligentes que fazem a plateia se apaixonar por esta comédia.

A deliciosa sutileza com que esta história é contada suaviza a percepção e a seriedade de algumas reflexões levantadas pela peça, como o drama dos personagens cuja carreira parece estar prestes a ser enterrada junto com o fim da radionovela, diante da chegada da TV e a perseguição pelo regime militar a muitas pessoas que mal podiam expressar suas opiniões.

Chega a causar comoção entre o público uma das cenas em que o galã é humilhado pelo publicitário por ser mais velho e não ser realmente bonito, conquistando as fãs apenas em razão de sua voz atraente, o que não mais seria possível com a chegada da TV, mostrando que apenas os mais jovens e belos sobreviveriam no mundo artístico, como é o caso de Conceição – realidade cruel que foi enfrentada por muitos atores de radionovela na época, os quais perderam seus empregos.

Além da riqueza do roteiro, todo o elenco está praticamente impecável no palco, contribuindo para um sincronismo perfeito para todas as cenas. Ainda assim vale ressaltar o papel de Alex Gruli, cujo personagem expressivo e ao mesmo tempo desengonçado conquista o carinho da plateia desde os primeiros segundos em que aparece em cena.

Ovacionada pelos espectadores no final, Caros Ouvintes causa uma mistura de sentimentos, arrancando da plateia risadas e lágrimas emocionadas, culminando em um final brilhante. O espetáculo conta com 100 minutos de duração, digno de ser apreciado mais de uma vez por quem desejar.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

domingo, 26 de outubro de 2014

Trash - A Esperança Vem do Lixo


Muito suspense e aventura estão presentes nesta nova produção Trash – A Esperança Vem do Lixo. Baseado no livro homônimo do escritor inglês Andy Muligan, o filme foi rodado no Rio de Janeiro e traz para as telonas dois dos maiores atores do cinema brasileiro da geração atual: Wagner Moura e Selton Mello.

Com direção do inglês Stephen Daldry – que dirigiu os excelentes filmes Billy Eliot e As Horas – e do roteirista inglês Richard Curtis, esta produção não é totalmente nacional, já que alguns atores estrangeiros também integram o elenco. O diretor e o roteirista foram os responsáveis por escolher o Rio de Janeiro como cenário para a trama, usando o escrito original em que o autor limita-se apenas a dizer que a história ocorre num país de Terceiro Mundo, sem especificá-lo.

Trash conta a história de três garotos – Raphael (Rickson Tevez), Gardo (Eduardo Luís) e Rato (Gabriel Weinstein) – que trabalham num lixão. Suas vidas mudam completamente quando um deles encontra uma carteira com documentos de um homem chamado José Ângelo (Wagner Moura), que eles não têm ideia de quem seja. Os meninos começam a estranhar a situação quando o investigador policial Frederico (Selton Mello) vai até o lixão oferecer uma recompensa para quem encontrar a carteira.

Porém, ao invés de entregá-la, os garotos resolvem investigar a vida de José Ângelo, com base no que encontram na carteira, pois acreditam que encontrarão revelações surpreendentes. A partir de então, inicia-se uma série de descobertas e perseguições aos meninos pelo policial Frederico, que na verdade é o vilão da história e possui ligação com pessoas corruptas, como é o caso de um poderoso político – o qual os garotos descobrem mais tarde ser conhecido de José Ângelo.

São 115 minutos de suspense e mistérios, movidos pela série de pistas apresentadas no roteiro, que levam o público a tentar desvendá-las. Entretanto, a plateia acabará percebendo algumas incoerências na trama para que tudo possa se encaixar no final.

Outro aspecto negativo são os atores estrangeiros interpretando personagens do exterior que vivem na comunidade, como um padre e uma professora de inglês, os quais poderiam muito bem ser interpretados por atores brasileiros, sem a necessidade de incorporarem personagens de fora do país, o que acaba não dando nenhum significado às cenas.

É possível perceber algumas semelhanças entre Trash e outras produções nacionais que também mostram a realidade de crianças e adolescentes nas comunidades como Cidade de Deus e até a produção internacional Quem Quer Ser um Milionário – ganhador do Oscar de melhor filme em 2010 – que traz a realidade de meninos que trabalham no lixão pelas ruas da Índia. 

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

domingo, 19 de outubro de 2014

Um Amor de Vizinha


Os grandes astros do cinema americano Michael Douglas e Diane Keaton estão de volta aos telões na comédia romântica Um Amor de Vizinha, com direção de Rob Reiner. A dupla interpreta, respectivamente, Oren e Leah, dois vizinhos que não se dão muito bem, mas no decorrer da trama acabam se aproximando.

Oren é um corretor de imóveis rancoroso que não se conforma com a morte da esposa e que vive fechado em seu mundo, demonstrando até mesmo receio de se envolver com as pessoas. Com seu jeito provocativo, amargurado e irônico e dotado de uma língua afiada e de um humor negro, muitos acabam se afastando dele.

Já sua vizinha Leah também é viúva, mas, ao contrário do corretor amargurado, é extremamente emotiva e quase sempre desaba em lágrimas quando se lembra de seu marido falecido. Estes personagens de personalidades tão diferentes passam a se aproximar mais quando o filho de Oren, que não vê o pai há tempos, reaparece com sua filha de dez anos, pedindo que ele cuide dela por um tempo.

Oren, que nem sabia da existência da neta e que não possui um relacionamento muito estreito com o filho, acaba aceitando a tarefa, meio que contra sua vontade. A partir de então, a garota acaba se aproximando mais de Leah que, com seu jeito dócil e carismático, se encanta pela garotinha e esta corresponde.

Enquanto isso, o corretor tenta se manter firme e insensível em relação a meiguice e doçura da menina, que deseja aproximar-se mais de seu avô. Mas, à medida que o tempo passa e Oren vai pedindo ajuda a sua vizinha para cuidar da neta, ele vai gradativamente voltando a valorizar e apreciar o verdadeiro sentido da vida.

Apesar de ser uma trama que pode prender a atenção do público pela expectativa gerada sobre o que acontecerá com Oren e sua neta no final, Um Amor de Vizinha revela-se uma comédia morna, sem quase nenhuma surpresa.

Trata-se, portanto, de uma história bem simples e linear, que chega a arrancar algumas poucas risadas do público e com um roteiro bem aquém para o nível de atuação dos dois protagonistas de extremo peso para o cinema hollywoodiano – Diane Keaton e Michael Douglas. Inclusive eles já foram premiados com o Oscar de melhor atriz e ator e também já participaram dos maiores clássicos de imenso sucesso do cinema norte-americano, como Poderoso Chefão (caso de Diane) e Instinto Selvagem (caso de Michael Douglas).

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

domingo, 21 de setembro de 2014

Cazuza - Pro dia nascer feliz


“Exagerado / Jogado aos teus pés / Eu sou mesmo exagerado / Adoro um amor inventado”: seja no chuveiro, na cozinha, no quarto, não importa onde, quem nunca se pegou cantando esta letra em algum lugar? E não somente esta, mas muitas outras como “Brasil / Mostra tua cara / Quero ver quem paga / Pra gente ficar assim” ou ainda “A tua piscina está cheia de ratos / Tuas ideias não correspondem aos fatos”. Certamente você deve ter acabado de ler estas letras já com o ritmo da música em sua cabeça, ou ainda cantando-as mesmo. Este é mais um sinal de que elas se eternizaram na mente e nos corações de milhões de brasileiros, assim como seu autor: o grande compositor e cantor Cazuza.

Falecido em julho de 1990, aos 32 anos de idade, vítima da AIDS, Cazuza influenciou gerações e continua influenciando até hoje não só com a riqueza de suas letras como também pelo jeito rebelde e polêmico de ser. Considerado um dos maiores compositores da música brasileira, ele conquistou inúmeros fãs, sendo que muitos surgiram e continuam surgindo mesmo após sua morte, diante do legado deixado por ele não só para a música como para a cultura de uma forma geral, já que, além de cantor e compositor, Cazuza foi poeta e escritor.

Por isso, mesmo após sua morte, suas músicas continuam sendo tocadas repetidas vezes e sua biografia retratada em livros, filme e agora também em peça teatral. Desde o dia 18 de julho de 2014, o palco do Teatro Procópio Ferreira recebe o musical Cazuza – Pro dia nascer feliz.

Com 170 minutos de duração, o espetáculo narra a trajetória de Cazuza – o papel costuma ser apresentado pelo ator Emílio Dantas, mas neste dia (6/9) foi apresentado pelo ator Bruno Narchi, que faz o protagonista em algumas sessões – desde o momento em que seu talento para a música começa a se revelar na formação da banda Barão Vermelho, passando pelo affair com Ney Matogrosso (Fabiano Medeiros), seu grande estouro como artista solo, até o momento em que ele descobre ser portador do vírus da AIDS e morre algum tempo depois.

Durante o espetáculo, a personagem Lucinha Araújo (Susana Ribeiro), mãe de Cazuza, interage diretamente com o público e os demais personagens ao mesmo tempo, narrando o que acontece com o filho, enquanto as cenas se desenrolam, e contracenando com o restante do elenco.

O musical leva a plateia a viajar no tempo e a reviver -  ou conhecer pela primeira vez  - as diferentes fases da vida do protagonista, deixando-se levar pelas alegrias, rebeldias e tristezas sofridas por Cazuza. Prepare-se para alguns momentos do espetáculo que prometem fortes emoções, principalmente quando o artista começa a sofrer as complicações patológicas da AIDS.

Dirigido por João Fonseca, o espetáculo não investe muito em cenário, mas traz um elenco de peso que faz um verdadeiro show no palco. Não há como não elogiar a atuação de Bruno Narchi, intérprete de Cazuza, que parece trazer o verdadeiro artista para o Teatro Procópio Ferreira. Algumas cenas chegam a ser simplesmente arrepiantes pela similaridade do ator com o verdadeiro Cazuza, tanto no figurino como na atuação.

Do começo ao fim da peça, Narchi faz um trabalho cênico espetacular e supera seus limites nas atuações mais difíceis, que exigem todo o cuidado para não se extrapolarem, e não se extrapolam, como o gradativo desgaste físico de Cazuza, a medida que a AIDS toma conta dele. Narchi arranca lágrimas dos espectadores, fazendo-os sofrer junto com seu personagem e o de seus pais, que permaneceram ao lado do filho até o fim.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

domingo, 7 de setembro de 2014

Se Eu Fosse Você, o Musical


Um casal (Helena e Claudio) está passando por crises em seu casamento e, depois de diversas discussões, resolve se separar. A filha deles (Bia), ainda adolescente, quer contar para seus pais que está grávida do namorado, mas não consegue encontrar a forma adequada de dar a notícia, temendo que o pai, principalmente, tenha um ataque de nervos. A situação só piora quando algo completamente inimaginável acontece com Helena e Claudio: eles trocam de corpos para desespero deles e de sua filha que, sem saber o que acontece, estranha o comportamento diferente do pai, mais afeminado, e da mãe, mais rígida.

A história acima lhe pareceu familiar? Pois ela esteve nos telões e atraiu milhões de espectadores no Brasil. Trata-se das comédias brasileiras Se Eu Fosse Você (2006) e Se eu Fosse Você 2 (2008) – somente esta última atraiu mais de 6 milhões de pessoas para o cinema, em razão do sucesso do primeiro filme, e entrou para a lista das dez maiores bilheterias de produções brasileiras na história do cinema, tendo arrecadado cerca de 50 milhões de reais.

A trama acabou até mesmo por revolucionar a comédia cinematográfica brasileira, que até então não vinha atraindo grandes públicos e, a partir de Se Eu Fosse Você, começou a lotar as salas de cinemas com outras comédias posteriores, também de grande sucesso. Agora, a divertida história do casal que troca de corpos ganha uma versão para os palcos em formato de musical, que está em cartaz no Teatro Cetip, em São Paulo.

Com direção de Alonso Barros, Se Eu Fosse Você, o Musical traz uma mescla das aventuras de Helena e Claudio – personagens que, na peça, são vividos pelos atores Claudia Netto e Nelson Freitas – nos dois filmes dirigidos por Daniel Filho.

Composto por um elenco formado por 22 atores, o musical consegue arrancar boas risadas da plateia, no entanto os intérpretes limitam-se a cumprir meramente o roteiro sem arriscar muito nas atuações, contribuindo assim para criar uma sequência cênica bem linear.

Certamente quem assistiu aos filmes verá que as atuações do elenco nos telões, principalmente de Tony Ramos e Glória Pires, intérpretes de Claudio e Helena, foram muito mais envolventes do que a forma como a história é apresentada no palco.

No entanto, vale ressaltar a atuação de Nelson Freitas, um dos principais responsáveis por descontrair e provocar risos na plateia, roubando a atenção de grande parte do elenco, principalmente quando interpreta de modo bem desenvolto e hilário um Cláudio afeminado, que na verdade é a Helena em seu corpo. Destacam-se também diversas músicas de Rita Lee que compõem o repertório da peça.

Vale a pena para quem estiver unicamente a fim de descontrair e rir um pouco! O espetáculo estreou em 14 de agosto de 2014 e ficará em cartaz até 14 de setembro de 2014. 

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

domingo, 17 de agosto de 2014

Rei Lear


Iniciantes, amadores ou profissionais: encenar uma peça de William Shakespeare não se revela uma tarefa fácil para qualquer ator, especialmente em razão dos diálogos densos e dos acontecimentos trágicos característicos das obras deste que é considerado um dos maiores dramaturgos da história. E, se encarar um de seus personagens já é um tremendo desafio, imagina encarar vários deles ao mesmo tempo, transformando os textos shakespearianos em nada mais nada menos que um monólogo.

Pois é justamente assim que o famoso conto de Rei Lear, escrito por Shakespeare, nos é apresentado no palco do Teatro Eva Herz, que tem como cenário apenas uma cadeira em um fundo preto ocupado por um único ator: o grandiosíssimo Juca de Oliveira que, com 79 anos, encarou tal desafio de forma excepcional, sendo ovacionado pela plateia.

Dirigido por Elias Andreato, o monólogo Rei Lear traz a história de um rei octogenário tomado pela loucura, após a grande frustração sofrida ao deixar seu reinado para duas de suas três filhas, Goneril e Reagan, não deixando nada para a caçula, Cordélia – simplesmente por ela não ter adulado o pai como suas irmãs, dizendo amá-lo na medida certa, nem mais e nem menos – e ser traído e expulso justamente pelas duas filhas mais velhas, quando ele, já idoso e cansado, busca se aconchegar nos lares delas.

Tomado pelo ódio e pela tristeza, ele começa a caminhar sem rumo, na companhia de seu bobo da corte, e então passa a ter surtos de devaneios dada a tamanha decepção que lhe assola. A fidelidade à obra escrita por Shakespeare termina aí, já que Juca resolve dar um novo fim à história, que no monólogo escapa do final acentuadamente trágico destinado a cada um dos personagens, como é de praxe nas obras shakespearianas.

Pode até ser que o novo final não agrade muito os mais fascinados pelos textos do dramaturgo inglês, mas o fato é que, durante os 60 minutos de peça, Juca conduziu o texto de modo fantástico, dando a devida dramatização a cada palavra dita e denotando perfeitamente bem as diferenças entre cada personagem que ele interpretou, permitindo que o público os identificasse e os distinguisse claramente.

Sem qualquer figurino e numa postura bem à vontade no palco, Juca leva os espectadores para a trama apenas com sua atuação e entonação verbal, chegando até a emocionar a plateia. Isso ocorre principalmente nos momentos finais da peça, trazendo a história de Shakespeare para o mundo atual e despertando uma reflexão sobre quantos pais, após passarem grande parte de suas vidas se doando inteiramente aos filhos, são humilhados e esquecidos em asilos pelos seus próprios herdeiros, assim que estes crescem.  Trata-se de um excelente monólogo para apreciar, se encantar e refletir.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Tribos



Gritar! Julgar! Condenar! Criticar! São muitas as maneiras com as quais as pessoas utilizam seu vocabulário para expressar sentimentos como raiva, angústia, inveja, frustração, entre outros. Infelizmente, estes sentimentos parecem cada vez mais exercerem total hegemonia sobre aqueles nos quais as pessoas utilizam de palavras e gestos para manifestarem verdadeiro carinho e amor, e assim estabelecer um convívio harmonioso, garantido por uma peça fundamental: o saber ouvir.

É justamente esta a mensagem trazida pela comédia dramática Tribos, que está em cartaz no Teatro Tuca. Com diálogos extremamente afiados e sarcásticos, dotados de um humor negro, esta inteligente trama narra a história de Billy, um garoto surdo que convive numa família completamente desequilibrada.  

Enquanto seu pai Christopher (Antônio Fagundes) passa o dia a dia se queixando principalmente de seus dois outros filhos Daniel (Guilherme Magon) e Ruth (Maíra Dvorek), que apesar de crescidos ainda moram com o pai e a mãe Beth (Eliete Cigarini) e são extremamente dependentes deles, Daniel se mostra um rapaz completamente bipolar, sendo assolado por surtos agressivos e alucinações em diversos momentos.  Já Ruth é alguém que recorre às apresentações de canto que faz na Igreja, única ocupação a qual se dedica, como uma fuga desesperada para ser aceita por um determinado grupo, na fantasiosa crença de ser idolatrada por ele.

O humor negro se faz fortemente presente na família, principalmente por parte de Christopher e de Daniel, que satirizam pesadamente seus próprios familiares e também pessoas deficientes, judeus e por ai vai, denotando uma linha de pensamento sempre politicamente incorreta. Tal cenário fica ainda mais acentuado quando Billy começa a namorar Silvia (Arieta Corrêa), uma garota que, ao contrário de Billy, nasceu numa família de surdos e agora é ela quem está perdendo a audição. Assim que Silvia é apresentada à família de seu namorado, ela é praticamente bombardeada por perguntas satíricas, principalmente por Christopher, que considera uma idiotice a linguagem de sinais e não aceita que ela a ensine para seu filho surdo, já que ele não o considera um deficiente auditivo.

Por trás de toda esta história escrita pela inglesa Nina Raine e dirigida por Ulysses Cruz, existe uma sensacional crítica subliminar que faz refletir o nível acentuado de egoísmo perpetrado na sociedade atual. Apesar de Billy ser o deficiente auditivo, é justamente a família dele que denota total surdez para os problemas do outro, de modo que cada um concentra-se apenas em viver dentro de suas bolhas narcisistas, condenando as atitudes dos demais, ao invés de olharem para seus próprios defeitos, ou ainda julgando as pessoas em determinadas tribos, sem contar que eles já constituem uma tribo da pior espécie por estagnarem-se em suas redomas, enquanto atacam verbalmente os demais.

Isso sem contar a inveja, explícita em Daniel, por exemplo, quem, apesar de proteger o irmão Billy, não se conforma ao vê-lo com uma namorada e ainda arrumando um emprego, ao contrário dele que está sozinho e desempregado e que via no irmão, até então, um exemplo de fracasso que servia para consolá-lo.

Trata-se de uma peça que cativa do começo ao fim, devido aos diálogos inteligentes e reflexivos, que destacam a nossa surdez nos dias de hoje, ou ainda quando até nos dispomos a ouvir o outro, mas com o único intuito de filtrar apenas aquilo que queremos ouvir ou distorcer as palavras do outro, de acordo com os nossos interesses.

Contribui para cativar o público o excelente trabalho cênico de todo o elenco, com destaque para os atores Bruno Fagundes, filho de Antônio Fagundes – cujo personagem mostra-se desafiador por ter que transmitir suas aflições internas de modo muito mais contido que os demais personagens, algo que Bruno tira de letra – e para Guilherme Magon – cujo personagem é o oposto de Billy, exteriorizando ao máximo suas emoções – quem vive o personagem intensamente, paralisando o olhar dos espectadores.   

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

  

domingo, 13 de julho de 2014

A Culpa é das Estrelas


Prepare a caixa de lenços! Mesmo os mais insensíveis poderão ser pegos de surpresa com os olhos lacrimejantes diante desta forte e emocionante história que, apesar de não ser baseada em fatos reais, tem todos os elementos para envolver e sensibilizar qualquer tipo de espectador.

Baseado no best-seller escrito pelo norte-americano John Green, que só no Brasil teve mais de 2 milhões de cópias vendidas, A Culpa é das Estrelas – história de dois jovens apaixonados, vítimas do câncer, que aprenderão a lidar com a doença juntos – chega aos telões.

A trama traz a história da personagem Hazel (Shailene Wodley), uma jovem de 16 anos que sofre de um câncer terminal na tireoide desde os 13 anos, o qual já se espalhou para a sua região pulmonar. Sua vida ganha cores quando ela conhece Gus (Ansel Elgort), um rapaz que precisou amputar a perna em razão de um câncer nos ossos, o qual ele acredita já estar curado. Após se conhecerem num grupo de apoio para jovens, vítimas da doença, Hazel e Gus sentem-se atraídos um pelo outro e aos poucos vão se conhecendo cada vez mais até se tornarem namorados.

Gus acaba mudando totalmente a vida de Hazel ao se mostrar um verdadeiro companheiro, disposto a fazer o que estiver ao seu alcance para ajudar a namorada a superar seus momentos difíceis, como arrancar sempre um belo sorriso da garota com seu jeito cômico e piadista de ser.

Não obstante, o destino prepara surpresas nada agradáveis para os dois, em razão de suas doenças, e ambos terão que buscar forças um no outro e especialmente em si mesmos para enfrentar os obstáculos que surgem ao longo da trama, provocando até mesmo gemidos de choro em alguns espectadores, diante da bela e ao mesmo tempo complicada história de amor vivida pelo casal do filme.  

Tanto o ator Ansel Elgort quanto a atriz Shailene Wodley estão brilhantes em seus papéis, principalmente pelo peso dramático que cada personagem interpretado por eles trazem. Ambos são jovens atores que trabalham muito bem a maturidade precoce imposta a Hazel e Gus por suas doenças e ainda a aceitação e superação de passar momentos tão difíceis em plena juventude, justamente a fase em que os jovens se acham capacitados para fazer o que quiserem e o que mais desejam é desfrutar de sua independência, curtindo com os amigos, namorando, e, enfim, aproveitando a vida. Mas, infelizmente, Hazel possui uma série de limitações, especialmente em razão da sua dificuldade de respirar, que a obriga a carregar um aparelho respiratório aonde for.

Todavia é perceptível o drama vivido pela personagem e como ela encontra forças de superação em Gus, principalmente por estar na fase das descobertas e talvez este seja um dos piores momentos para lidar com o câncer, já que as crianças com câncer ainda não têm a plena consciência do que está se passando com elas e os adultos já possuem maior maturidade para lidar com a doença.  

Apesar de algumas cenas serem incoerentes com a rotina de pacientes cancerígenos, como o momento em que Hazel e Guz têm relações sexuais ou ainda bebem champagne – algo que não poderia ser feito por um paciente como Hazel, em razão de sua doença e das medicações que toma – ou ainda a pele perfeita da personagem – que na vida real sofreria os efeitos colaterais dos remédios – vale a pena conferir esta linda e emocionante história, que traz consigo o peso de lidar com uma doença terminal e, ao mesmo tempo, encarar o sofrimento daqueles a quem amamos muito.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 


domingo, 6 de julho de 2014

Meu Deus!


Imagine que você está em sua casa e de repente é surpreendido (a) pela chegada de alguém que, a princípio, aparenta um ser humano comum, mas logo em seguida ele próprio desfaz esta ideia dizendo coisas que você estranha e então se revela ser Deus. Obviamente, a reação natural de muitos, mesmo que acreditem na existência de Deus, será duvidar e achar que o visitante não passa de um louco, porém, conforme Ele vai descrevendo detalhadamente cenas de sua vida desde a infância, você começa a se convencer que está diante do Criador.

É assim que acontece em Meu Deus!, comédia teatral elaborada pela escritora israelense Anat Gov (1953 – 2012) e que está em cartaz em São Paulo desde março, no teatro FAAP, com direção de Elias Andreato. Na peça, a atriz Irene Ravache interpreta Ana, uma psicóloga divorciada que mora com seu filho autista (Pedro Cardoso). Num determinado dia Ana está em sua casa reclamando com seu filho da falta de chuva, que ela não vê há tempos, enquanto aguarda pela chegada de um novo paciente misterioso (Dan Stulbach), que não lhe revelou sua identidade ao agendar a consulta.

Logo que ele chega, ela acaba assustando-se por não vê-lo entrar. A partir de então dá-se início a um profundo e reflexivo diálogo entre Ana e seu paciente, que não é ninguém menos que o próprio Criador do Universo. Depois de se convencer, com muito custo, de que estava conversando com o próprio Deus, a psicóloga tenta resolver o seu problema, o que não se revela nada fácil: tomado por uma depressão que começou há 2000 anos, Ele está pensando em se suicidar, mas sabe que isso acarretará em uma consequência drástica para toda a humanidade.

Em busca de ajuda, Deus vê em Ana a pessoa que pode acudi-lo, porque, como Ele mesmo ressalta, ela nunca foi uma de suas maiores fãs e, na maioria das vezes que mencionava o nome de Deus, era para insultá-lo e culpá-lo pelas suas dificuldades na vida. Apesar de ser uma peça fantasiosa, com uma série de incoerências como o próprio fato de Deus querer se suicidar, o público deve ater-se às mensagens trazidas pelo diálogo entre psicóloga e paciente que acaba levantando uma série de reflexões sobre o comportamento do ser humano na sociedade atual, como o fato dele habituar-se a botar a culpa no Criador para amenizar a gravidade de suas ações.

Sendo assim, mesmo tratando-se de uma comédia que em diversos momentos arranca muitas risadas da plateia – especialmente no início, quando Ana se vê totalmente atrapalhada com o inusitado da situação e relata ser difícil conversar com alguém que não teve pai e nem mãe, pois não terá quem culpar pelo comportamento – a peça pode emocionar e despertar reflexões na plateia, como já ressaltado.

Tanto Irene Ravache quanto Dan Sutlbach estão muito bem em seus papéis, atingindo a exata sintonia para que o diálogo entre os personagens possa ocorrer de forma tão envolvente neste espetáculo. Tanto que até mesmo o cenário muito bem trabalhado fica em segundo plano, diante da atuação dos experientes atores que se bastam para cativar o público.


Stulbach, por exemplo, mostra-se extremamente à vontade para interpretar Deus, que ganha contornos bem humanizados, inclusive, ao demonstrar suas fraquezas e indignação com a forma como os humanos se relacionam com Ele sempre para pedir algo, para culpá-lo ou para se lembrarem Dele apenas porque conseguiram o que desejavam. São 80 minutos de espetáculo que passam desapercebidos pela plateia, envolvida com as reflexões e descontrações propostas por Meu Deus!

Por Mariana da Cruz Mascarenhas