Interpretar um clássico
teatral não é tarefa fácil, além de exigir de todo o elenco e direção um
completo conhecimento dos personagens, enredo, contexto histórico e,
principalmente, os sentimentos que surgem por trás da trama, é necessário saber
identificar e transmitir
ao público aquele toque especial que faz a história se consagrar por gerações e
gerações alcançando a imortalidade, tamanho é o seu sucesso.
E obviamente não seria
diferente com as obras de um dos maiores dramaturgos que o mundo já conheceu:
William Shakespeare. Seu talento consistia em colocar o ser humano e suas
fraquezas como o tema de muitas peças, passando mensagens morais de forma
sutil, de acordo com os estilos classicistas e tradicionais daquela época, e,
ao mesmo tempo, combinar imagens e ações que transmitiam e transmitem à plateia
o verdadeiro objetivo da trama.
É assim em
Hamlet, um dos exemplos mais concretos de como Shakespeare era genioso ao
expor a “podridão” da sociedade em uma mistura de ironia, mentiras, traições – entre
outras fraquezas próprias do ser humano – que
são suavizadas e intensificadas ao mesmo tempo.
Toda essa combinação
sentimental que influencia gerações por séculos e séculos é representada nos
palcos do Teatro Tuca, em São Paulo, onde Thiago Lacerda é Hamlet, o príncipe
dinamarquês que, ao ser assombrado pelo fantasma do pai, (papel de Antonio
Petrin) – que o alerta
dizendo ter sido assassinado pelo seu próprio irmão Cláudio (Eduardo Smerjian),
tio de Hamlet, para se tornar rei da Dinamarca – pensa numa forma de vingá-lo
para alívio da alma de seu pai.
Ao se deparar com sua mãe (Selma Egrei) se casando com Cláudio, Hamlet
se desespera ainda mais, pois não aceita que ela se case com o tio, passado tão
pouco tempo da morte de seu verdadeiro marido. Então o príncipe pensa em uma
forma de descobrir se Cláudio é realmente o assassino para, a partir daí, perpetrar
sua vingança.
O genial toque shakesperiano ocorre quando o príncipe dinamarquês finge
estar louco para confundir os integrantes do reino que convivem com ele, conseguindo
assim revelar, frente à plateia, a verdadeira personalidade de muitos personagens que
vivem sob aparências. Ele chega até mesmo a fingir estar apaixonado por Ofélia
(Anna Guilhermina), a filha de Polônio (Roney Fachini), o conselheiro-chefe do
rei Cláudio, para que enquanto os outros atribuam a sua insanidade ao amor não
correspondido da garota, ele possa cumprir suas metas e revelar os segredos
mais profundos escondidos naquele reino.
Hamlet
é o exemplo típico de peça que exige de toda a equipe teatral o desafio de
encontrar a dose certa de interpretação para se imergir nos personagens, de
modo que porcentagens mínimas de excessos ou reduções interpretativas se
desviam do propósito da peça e deixam de ter o caráter shakesperiano. Mas
Lacerda parece ter encontrado o tom certo do seu Hamlet, revelando à plateia toda a intensidade e vivacidade do
personagem.
Apesar de não ousar em
cena, pois é perceptível que o ator cumpre a risca tudo que está traçado no
roteiro, sem arriscar inovações que possam se encaixar ao personagem, o ator
consegue se destacar e deixar nítido para o público o seu crescimento em cena à medida
que a peça se desenrola.
Vale ainda destacar a excepcional atuação de dois integrantes do elenco:
o primeiro é Antônio Petrin no papel do fantasma. O ator trabalha seu
personagem de forma tão enérgica e intensa que chega até mesmo a roubar a
atenção da plateia sobre Hamlet em alguns momentos que contracena com Lacerda.
Toques humorísticos bem
aplicados no contexto couberam ao ator Roney Fachini, que descontraiu o público
em diversos momentos ao interpretar Polônio e um coveiro, este que já traz
dentro de si uma comicidade muito bem explícita no palco do teatro Tuca. É o segundo grande destaque da
montagem.
Dirigido por Ron
Daniels, o espetáculo se desvia um pouco da originalidade da obra ao contar a
história em um período à
frente daquele em que a trama é narrada por Shakespeare, mas não deixa de preservar
momentos tão valiosos como o desfecho trágico da peça que leva a plateia para
junto das ações ocorridas no palco.
Por Mariana da Cruz Mascarenhas
Nenhum comentário:
Postar um comentário