O ano é 1968 e estamos
diante de um estúdio de rádio, onde será transmitido o último capítulo de um
dos folhetins mais aguardados pelo seu público. Este é o cenário da peça Caros Ouvintes, comédia dirigida por
Otávio Martins e que faz referência à história das radionovelas no Brasil,
relembrando este período para alguns espectadores e imergindo quem não viveu ou
não se lembra desta época no mundo das novelas transmitidas apenas pelo rádio.
No palco do Teatro MASP, os atores encaram um
grupo de personagens que compõe o elenco das radionovelas de uma emissora, cada
um com personalidades fortemente expressivas. Vicente (Petrônio Gontijo) é um
agitado produtor dos folhetins que possui um caso com uma das atrizes, Conceição
(Natallia Rodrigues).
Vespúcio (Alexandre
Slaviero) é o publicitário cujo cliente patrocina a radionovela e que também
patrocinará a primeira telenovela brasileira, indicando o possível fim das
radionovelas, pois é a era da chegada da TV. Um sonoplasta meio amalucado e
hiperativo (Alex Gruli), um galã que já trabalha há anos na rádio, uma cantora
decadente (Amanda Acosta), entre outros, também são alguns dos integrantes do
elenco da radionovela.
Prestes a apresentar o
último capítulo do folhetim, desta vez ao vivo, o elenco enfrenta uma série de complicações, como o sumiço de um dos seus
integrantes – que é justamente o protagonista da radionovela –, as intervenções
sem sentido do publicitário – que se acha o dono do elenco simplesmente pelo
fato de seu cliente patrocinar a radionovela – e a grande confusão gerada nas
ruas do país pelas manifestações contra a ditadura militar na época – que
acabam gerando certos manifestantes próximos à rádio.
Uma história rica em
cultura, sensibilização e que soube contar um período marcante para o Brasil,
seja em relação à política brasileira, seja em relação a chegada da televisão, prenunciando
o fim das radionovelas, e cujo drama acaba sendo atenuado em Caros Ouvintes com piadas muito bem
elaboradas e inteligentes que fazem a plateia se apaixonar por esta comédia.
A deliciosa sutileza com
que esta história é contada suaviza a percepção e a seriedade de algumas
reflexões levantadas pela peça, como o drama dos personagens cuja carreira
parece estar prestes a ser enterrada junto com o fim da radionovela, diante da
chegada da TV e a perseguição pelo regime militar a muitas pessoas que mal
podiam expressar suas opiniões.
Chega
a causar comoção entre o público uma das cenas em que o galã é humilhado pelo
publicitário por ser mais velho e não ser realmente bonito, conquistando as fãs
apenas em razão de sua voz atraente, o que não mais seria possível com a
chegada da TV, mostrando que apenas os mais jovens e belos sobreviveriam no
mundo artístico, como é o caso de Conceição – realidade cruel que foi
enfrentada por muitos atores de radionovela na época, os quais perderam seus
empregos.
Além da riqueza do
roteiro, todo o elenco está praticamente impecável no palco, contribuindo para
um sincronismo perfeito para todas as cenas. Ainda assim vale ressaltar o papel
de Alex Gruli, cujo personagem expressivo e ao
mesmo tempo desengonçado conquista o carinho da plateia desde os primeiros
segundos em que aparece em cena.
Ovacionada pelos espectadores
no final, Caros Ouvintes causa uma
mistura de sentimentos, arrancando da plateia risadas
e lágrimas emocionadas, culminando em um final brilhante. O espetáculo conta
com 100 minutos de duração, digno de ser apreciado mais de uma vez por quem desejar.
Por Mariana da Cruz Mascarenhas
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