domingo, 2 de novembro de 2014

Caros Ouvintes


O ano é 1968 e estamos diante de um estúdio de rádio, onde será transmitido o último capítulo de um dos folhetins mais aguardados pelo seu público. Este é o cenário da peça Caros Ouvintes, comédia dirigida por Otávio Martins e que faz referência à história das radionovelas no Brasil, relembrando este período para alguns espectadores e imergindo quem não viveu ou não se lembra desta época no mundo das novelas transmitidas apenas pelo rádio.

 No palco do Teatro MASP, os atores encaram um grupo de personagens que compõe o elenco das radionovelas de uma emissora, cada um com personalidades fortemente expressivas. Vicente (Petrônio Gontijo) é um agitado produtor dos folhetins que possui um caso com uma das atrizes, Conceição (Natallia Rodrigues).  

Vespúcio (Alexandre Slaviero) é o publicitário cujo cliente patrocina a radionovela e que também patrocinará a primeira telenovela brasileira, indicando o possível fim das radionovelas, pois é a era da chegada da TV. Um sonoplasta meio amalucado e hiperativo (Alex Gruli), um galã que já trabalha há anos na rádio, uma cantora decadente (Amanda Acosta), entre outros, também são alguns dos integrantes do elenco da radionovela.

Prestes a apresentar o último capítulo do folhetim, desta vez ao vivo, o elenco enfrenta uma série de complicações, como o sumiço de um dos seus integrantes – que é justamente o protagonista da radionovela –, as intervenções sem sentido do publicitário – que se acha o dono do elenco simplesmente pelo fato de seu cliente patrocinar a radionovela – e a grande confusão gerada nas ruas do país pelas manifestações contra a ditadura militar na época – que acabam gerando certos manifestantes próximos à rádio.

Uma história rica em cultura, sensibilização e que soube contar um período marcante para o Brasil, seja em relação à política brasileira, seja em relação a chegada da televisão, prenunciando o fim das radionovelas, e cujo drama acaba sendo atenuado em Caros Ouvintes com piadas muito bem elaboradas e inteligentes que fazem a plateia se apaixonar por esta comédia.

A deliciosa sutileza com que esta história é contada suaviza a percepção e a seriedade de algumas reflexões levantadas pela peça, como o drama dos personagens cuja carreira parece estar prestes a ser enterrada junto com o fim da radionovela, diante da chegada da TV e a perseguição pelo regime militar a muitas pessoas que mal podiam expressar suas opiniões.

Chega a causar comoção entre o público uma das cenas em que o galã é humilhado pelo publicitário por ser mais velho e não ser realmente bonito, conquistando as fãs apenas em razão de sua voz atraente, o que não mais seria possível com a chegada da TV, mostrando que apenas os mais jovens e belos sobreviveriam no mundo artístico, como é o caso de Conceição – realidade cruel que foi enfrentada por muitos atores de radionovela na época, os quais perderam seus empregos.

Além da riqueza do roteiro, todo o elenco está praticamente impecável no palco, contribuindo para um sincronismo perfeito para todas as cenas. Ainda assim vale ressaltar o papel de Alex Gruli, cujo personagem expressivo e ao mesmo tempo desengonçado conquista o carinho da plateia desde os primeiros segundos em que aparece em cena.

Ovacionada pelos espectadores no final, Caros Ouvintes causa uma mistura de sentimentos, arrancando da plateia risadas e lágrimas emocionadas, culminando em um final brilhante. O espetáculo conta com 100 minutos de duração, digno de ser apreciado mais de uma vez por quem desejar.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

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