segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Minha Mãe é uma Peça


Quem já conhece e se diverte com a caricata personagem dona Hermínia no programa 220 volts do Multishow apresentado pelo ator Paulo Gustavo, certamente também se encantará com as cenas da personagem nos telões em Minha Mãe é Uma Peça. E mesmo quem não conhece a personagem acabará se familiarizando de certa forma com a comicidade das situações apresentadas, mesmo que algumas venham dotadas de exageros cênicos.

Assim como ele incorpora o papel em 220 volts – onde ele não só apresenta como encara todos os personagens do programa –, no filme o ator Paulo Gustavo interpreta a dona Hermínia – a mãe exagerada que vive em constantes brigas com a filha obesa Marcelina, a quem a mãe vive chamando de baleia e outros nomes depreciativos, e seu filho Juliano, que apesar do jeito afeminado tenta esconder de Hermínia sua homossexualidade – que vai passar um tempo na casa da tia após ouvir sem querer uma conversa entre seus filhos, seu ex-marido Carlos Alberto (Herson Capri) e Soraya (Ingrid Guimarães), mulher atual dele, e que a deixa muito magoada.

A partir de então Marcelina e Juliano ficam sozinhos em casa tentando se virar como podem, já que tanto um quanto o outro viveram sempre às custas da mãe, ao contrário do irmão primogênito deles que, segundo Hermínia, sempre foi um rapaz exemplar e vive com a esposa em Brasília.

Enquanto Marcelina passa quase todo o tempo da trama desesperada em busca de comida, seu irmão Juliano está mais preocupado em saber o paradeiro da mãe. Paralelamente a este cenário, dona Hermínia volta no tempo na casa de sua tia enquanto conta a ela diferenciadas e inusitadas situações vividas principalmente com seus herdeiros mais novos. A maioria das lembranças é acompanhada das atuações, que ilustram as histórias narradas pela protagonista fazendo a plateia cair na gargalhada, como nos tombos em que a pequena Marcelina sofria quando criança, a obsessão dela por comida, ou quando Juliano chega com um namoradinho em casa e passa por um verdadeiro interrogatório da mãe, que já desconfia da sexualidade do filho.

O roteiro praticamente gira em torno das atuações de dona Hermínia, de modo que os demais atores se tornam meros coadjuvantes diante não só de quase todo o espaço preenchido pela personagem, como da bela interpretação do ator Paulo Gustavo para o seu papel. Como a trama parece abrir espaços para uma atuação mais desenvolta e menos estruturada, possibilitando o encaixe de diálogos improvisados, Paulo Gustavo acaba se sobressaindo perfeitamente bem como já é de praxe no programa, pois tem um forte para o improviso.

Talvez seja por isto que a simplicidade da história e a falta da quebra de uma linearidade que pudesse surpreender o público acabam sendo ofuscados pelo personagem principal que chega a ser muito maior que até o próprio filme em si – se outro ator não habituado aos trejeitos do personagem o fizesse sob outro prisma, o filme já poderia estar fadado a um grande fiasco e só não o foi pela salvação de Paulo.

Este é um ator que vem se destacando cada vez mais na mídia humorística. Depois de arrebentar em seu programa cômico 220 volts, o humorista é certamente de longe o destaque de um seriado exibido há quase um mês no Multishow, Vai que Cola, e parece ter tudo para ascender ainda mais em sua carreira artística. Agora é torcer para que ele continue divertindo diferenciados públicos por meio de seu humor livre sem ser esquematizado em roteiros sólidos que o deixem preso – como a emissora Globo vem fazendo com astros do improviso como Marcelo Adnet e Fábio Porchat.


Minha Mãe é uma Peça tem direção de André Pellenz e foi para os telões depois de obter grande sucesso no palco teatral.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O Concurso


Com perfeita identidade de besteirol americano, o filme brasileiro O Concurso traz diversas piadas forçadas e personagens estereotipados passando por várias situações inusitadas que, a todo o momento, lembram os costumeiros roteiros humorísticos estadunidenses que arrancam risos do público através das cenas mais absurdas. É possível enxergar até mesmo certa similaridade com Se Beber Não Case, ressaltando a diferença que esta produção soube trabalhar e conduzir o roteiro com mais detalhes, um humor que divertia o público e criava expectativas com histórias exageradas, mas ao mesmo tempo bem elaboradas.

Já em O Concurso, à medida que se transcorrem os 86 minutos de filme, este caminha cada vez mais para o fiasco. A trama conta a história de quatro candidatos que foram selecionados para fazer uma prova referente à ultima etapa do processo de seleção para uma vaga de juiz federal no Rio de Janeiro. São eles: um humilde cearense (Anderson Di Rizzi) que vive com sua esposa (Carol Castro) que está grávida, um gaúcho (Fábio Porchat) que esconde sua homossexualidade e tem um pai (Jackson Antunes), extremamente rígido, que exige do filho a conquista da vaga de juiz, um rapaz (Rodrigo Pandolfo) extremamente tímido do interior de São Paulo e um advogado (Danton Mello) oportunista que consegue se safar de várias situações sempre com seu famoso “jeitinho”.

Esses quatro embarcam para o Rio de Janeiro a fim de realizar a última prova que dará o título de juiz a um deles e passam por distintas situações antes do teste. A abertura da trama mostra os candidatos deitados de forma completamente inusitada em uma rocha, indicando que os rapazes tiveram uma noite “daquelas”. Em seguida, o filme volta no tempo, mostrando a partida de cada um para o Rio e como eles chegaram àquela situação.

O que parecia uma história com uma trajetória cheia de obstáculos e expectativas criadas ao redor dos personagens antes que eles pudessem fazer a temida prova, acaba culminando num roteiro estático e dotado de pouquíssimas cenas surpreendentes ou realmente cômicas.
Nem a desenvoltura dos quatro atores que tentavam crescer dentro dos seus respectivos personagens com seus dotes cômicos, que vez ou outra arrancavam algumas risadas da plateia, foi páreo para a pobreza do roteiro.   

O ator Fábio Porchat, que depois de deslanchar seu talento entre milhares de internautas por meio dos diversos vídeos humorísticos exibidos no canal do Youtube chamado “Porta dos Fundos” e ainda ser chamado para atuar no programa “A Grande Família”, além de marcar presença em vários comerciais, certamente foi uma das principais apostas desta produção para fazer jus ao seu gênero comédia e divertir o público.

É certo que, dada a caracterização do seu personagem, o ator está bem, interpretando um gaúcho que tenta conter seu jeito afeminado para não revelar sua homossexualidade, no entanto ele fica muito aquém de sua capacidade artística por se prender a um roteiro que está abaixo de seu talento.

O Brasil vem se destacando por um leque de humoristas como Marcelo Adnet, Fábio Porchat, Ingrid Guimarães e Paulo Gustavo, os quais simplesmente arrebentam quando estão em situações cômicas, das quais eles mesmos têm o total domínio da cena. Mas, querendo abocanhar todas as grandes estrelas para si, a Rede Globo acabou por roteirizar e, assim, prejudicar a espontaneidade cômica de alguns artistas, como foi o caso de Adnet, que teve de seguir o fraquíssimo roteiro de O Dentista Mascarado, cuja baixa audiência foi responsável pelo pouquíssimo tempo de duração da série.

Enfim, o mercado artístico brasileiro está repleto de grandes estrelas que sabem entreter e conquistar a admiração do público, mas, principalmente no que tange ao aspecto cinematográfico, é necessário investir em roteiros mais trabalhados que estejam compatíveis com o ritmo e o talento dos atores.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas


domingo, 4 de agosto de 2013

A Obscena Senhora D


Quem nunca se questionou, seja para si ou para os demais, sobre as grandes perguntas que intrigam a humanidade a respeito do inexplicável milagre da vida e toda sua evolução e complexidade? Essa reflexão é um dos temas principais a ser explorados no monólogo dramático A Obscena Senhora D.

A atriz Suzan Damasceno vive a personagem Hillé, uma viúva de 60 anos que sente muita falta de seu marido e passa grande parte de seus dias relembrando os diversos momentos vividos com ele, principalmente os mais íntimos. Há anos Hillé vive debaixo do vão da escada de sua própria casa, onde ela se enclausurou e decidiu não sair mais. A perda do esposo apenas contribuiu para que ela transitasse ainda mais entre o sano e insano sendo tachada de louca por toda a vizinhança.

Durante os 60 minutos de espetáculo, a personagem permanece quase o tempo todo sentada em uma cadeira, revelando para o público alguns fatos de sua vida e, principalmente, as angústias que tanto a assolam e a fizeram se isolar dos demais. Ela tem conversas frequentes com um imaginário menino porco, um meio encontrado por ela de questionar a Deus todas as suas dúvidas.

E foi justamente a imensidão de incógnitas recheando o cérebro de Hillé que a fez se afastar até mesmo de atividades rotineiras, já que ela queria e não conseguia obter a compreensão de tudo, pois dizia apenas saber da existência do divino sem entender sua ação sobre cada coisa na Terra.

A intelectualidade presente no diálogo com o público se dá de forma cativante. A peça propõe aos espectadores não apenas analisarem os conflitos psicológicos de Hillé como meros observadores, mas também entrar dentro da complexa e atormentada mente da protagonista e ‘sentir na pele’ todas as suas aflições.

Toda a genialidade do roteiro se exalta ainda mais diante da intensa e brilhante atuação da atriz Suzan, que confere total entonação e vivacidade em cada palavra pronunciada por ela, apenas despertando no público a vontade de se envolver cada vez mais com o calor e a emoção provocados pelo texto.

O simples cenário vira apenas um mero complemento no palco, já que a atriz consegue incorporar toda a complexidade do roteiro. Vale ainda destacar os diversos momentos em que ela narra conversas entre Hillé e seu marido, ou os vizinhos, transitando entre passado e futuro. Em todos estes diálogos, diante de sua ótima transformação vocal e cênica, ela delineia tempo e personagens de uma forma tão clara e precisa, criando um perfeito cenário imaginário, que permite a total compreensão da imersão na trama pela plateia.

Autointitulada de A Senhora D, Sem Deus, ela leva a quarta letra do alfabeto em seu nome por se referir a si mesma como a imagem viva da Derrelição, ou seja, do desamparo, do abandono e do isolamento total ao qual ela mesma se entregou por completo na tentativa desesperada de tentar entender o incompreensível, afastando-se dos demais. Já o termo obsceno é para se referir à forma como ela encara a própria existência, dizendo ser a vida uma aventura obscena, de tão lúcida.
 
Sua preferência pela cor parda, sem vida, também se destaca na composição e iluminação do cenário e até mesmo nos papéis em formato de peixes que ela recorta e deixa dentro do aquário para substituir os animais que morreram.


A Obscena Senhora D é baseada no texto da escritora brasileira Hilda Hilst e tem direção de Donizeti Mazonas e Rosi Campos. 

Por Mariana da Cruz Mascarenhas