segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Argo encerra noite do Oscar 2013 com estatueta de Melhor Filme


Mesmo com contexto e filmagens enriquecedores, Argo não foi melhor que outros indicados



Com danças, cantorias e piadas sem graça de sempre (que insistem em marcar presença nas cerimônias do Oscar), a maior festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas deste ano não teve muitas surpresas, mas, diferentemente das ocasiões anteriores, uma premiação bem dividida entre os filmes indicados, dada a excelência de alguns que contribuiu para uma disputa bastante acirrada.

Um dos momentos surpreendentes talvez tenha ocorrido no desfecho da cerimônia quando ninguém menos do que a primeira-dama norte-americana Michelle Obama anunciou, direto da Casa Branca, o vencedor do Oscar de Melhor Filme 2013: Argo, produção que já vinha sendo cotada para vencer a categoria, levando-se em conta o histórico de premiações já conquistadas pela trama em 2013, as quais incluem Globo de Ouro por Melhor Filme e Direção (Ben Affleck) e o prêmio de Melhor Elenco pelo Sindicato dos Atores. A produção ainda levou as estatuetas, com toda a justiça, de Melhor Montagem e Roteiro Adaptado.

Mais até do que um meio de indução da indústria cinematográfica para a venda de seus produtos em todo o planeta, a escolha de Argo e sua divulgação pela Senhora Obama deve provocar no meio cinematográfico uma reflexão sobre a politização - ou o uso político - da premiação, não apenas como recurso para minorar a imagem tirânica dos EUA disseminada no Oriente Médio, principalmente em países como o Irã, Paquistão ou Iraque, como recurso para aumentar a popularidade governamental no âmbito interno.

Apesar dessa pretensa jogada, e da intensa repercussão nos países islâmicos, há que se ressaltar a forma agressiva como essa divulgação foi recebida por lá: só para citar um exemplo, a agência internacional islâmica FAR editou as imagens acrescentando mangas e tecido ao decote generoso da primeira dama norte-americana.

E por falar em supervalorização norte-americana, o filme líder em indicações (12), Lincoln, de Steven Spielberg, ganhou apenas duas estatuetas por Melhor Direção de Arte e Melhor Ator para Daniel Day-Lewis. Esta última premiação foi mais do que justa e não tinha como ser diferente, já que o ator foi espetacular na incorporação de Lincoln, um personagem tão grandioso e, ao mesmo tempo tão sutil, e que era pressionado pelo próprio cargo a interiorizar suas emoções.

Mas as láureas para Spielberg pararam por aí, já que, mesmo com todo seu esplêndido trabalho de direção, que parecia transportar a plateia do cinema para o contexto histórico onde se passa a trama, o prêmio de Melhor Direção foi para Ang Lee, diretor de As Aventuras de Pi, que a meu ver teve um excelente trabalho artístico, mas sua direção em geral não pode ser definida como a melhor entre os indicados. A produção de Lee ainda levou o Oscar de Melhor Trilha Sonora, Efeitos Visuais e Fotografia. As duas últimas premiações foram sim devidamente merecidas, em virtude do espetáculo de cores e luzes proporcionado aos olhos da plateia.

E, mesmo com a injustiça cometida com o diretor Quentin Tarantino, mestre dos longas de violência moderna, que ficou de fora da disputa à categoria de Melhor Direção – assim como Ben Affleck (Argo) e Kathryn Bigelow (A Hora Mais Escura), também surpreendentemente excluídos da indicação – ele ainda levou a estatueta de Melhor Roteiro Original, com seu filme Django Livre. Nesta mesma produção, há que se destacar o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante para o grandessíssimo Christoph Waltz, mais do que justo, dada sua fantástica interpretação como um sarcástico caçador de recompensas, cujo efeito foi capturar a atenção de praticamente toda a primeira parte da história para si.

Já o tão falado longa Os Miseráveis, que trouxe para os telões a magnífica obra de Victor Hugo na forma de um grandioso musical, ganhou três devidas estatuetas: Melhor Maquiagem, Mixagem de Som – o diretor Tom Hooper fez um trabalho de som  e acertou em cheio ao optar pela gravação das canções ao vivo – e Melhor Atriz Coadjuvante para Anne Hathaway, que estava totalmente imersa em seu papel do começo ao fim da trama, emocionando e envolvendo a plateia.

A Hora Mais Escura, que soube narrar nas devidas proporções como o terrorista Osama Bin Laden foi capturado e morto, levou apenas um Oscar de Melhor Edição de Som junto com o filme 007 – Operação Skyfall em um empate, algo raro de se acontecer nestas cerimônias.

E o prêmio de Melhor Atriz ficou para Jennifer Lawrence, atriz de O Lado Bom da Vida, filme que, apesar do bom contexto, tem um desenrolar simples e desprovido de surpresas, o que não justifica suas indicações - inclusive para Jennifer, que fez uma boa atuação, mas manteve a linearidade sem investir em muitas emoções. A surpresa deve ter sido tamanha que a própria atriz levou um tombo na escada de acesso ao palco, bem na hora de receber a estatueta.

Concluindo, com algumas indicações esperadas e outras não, para mim, a surpresa maior foi assistir a vitória de Argo na categoria Melhor Filme. Contando a história de como seis diplomatas norte-americanos conseguiram escapar do Irã, depois de serem ameaçados pela população local, a produção conduz bem a história, com apropriados planos de filmagem que criam suspense na plateia, mas nada tão espetacular que outros longas como Os Miseráveis e Lincoln não superem.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas



domingo, 24 de fevereiro de 2013

A Hora Mais Escura



Apagam-se as luzes do cinema, todos se acomodam nas poltronas e o telão começa a exibir apenas sons de pessoas que indicam estar em desespero, sem nenhuma imagem. Trata-se da reprodução da tragédia vivida por muitas vítimas do atentado terrorista realizado, em Nova York, nas Torres Gêmeas, no dia 11 de setembro de 2001, deixando um saldo de quase três mil mortos.

Esta é apenas a abertura de A Hora Mais Escura, produção baseada em fatos reais, que trata de toda a trajetória de uma agente da CIA na incessante busca pela captura e morte do líder do grupo fundamentalista islâmico Al Qaeda, em maio de 2011: Osama Bin Laden.  Na trama Jéssica Chastain é Maya, uma novata agente da CIA extremamente centrada em sua missão de tentar encontrar o esconderijo de Bin Laden que, segundo supõe o serviço de inteligência, se refugiou em algum lugar do Paquistão depois do atentado em Nova York.

Após a abertura do filme passam-se dois anos e a plateia agora é colocada diante de uma cena de tortura, ocorrida no Paquistão, cometida por alguns dos agentes da CIA contra um prisioneiro ligado à Al Qaeda. Enquanto este é torturado e repreendido violentamente, em uma pequena sala, para confessar o que sabe sobre o paradeiro de Bin Laden, Maya apenas observa de longe a cena, aparentando estar convicta de que tal agressão não servirá de nada para arrancar uma palavra sequer da boca do prisioneiro.

A persistência e eficiência da protagonista em concretizar seu objetivo começam a ganhar, gradativamente, um destaque imensurável na trama. Maya passa oito anos de sua vida empenhada em investigações sigilosas e detalhadas que possam levá-la a pistas concretas sobre a localização de Bin Laden. Neste período ela encontra diversos entraves que atordoam cada vez mais sua mente, de modo que, em alguns momentos, ela mesma chega a crer que não conseguirá realizar a missão de encontrar o líder da Al Qaeda e jamais será feita a devida justiça à morte dos quase três mil norte-americanos no atentado às Torres Gêmeas, conforme lhe foi atribuida a autoria.

Uma luz no fim do túnel surge quando ela descobre que um mensageiro de Bin Laden, dado como morto, está vivo e pode ser a “pista-ouro” para que os agentes da CIA cheguem até o líder da Al Qaeda. O espetacular e esplendoroso profissionalismo de Maya cresce explosivamente no momento em que as pistas do paradeiro de Bin Laden levam a uma casa, toda cercada por muros altos. A agente então passa a cobrar persistentemente dos demais agentes, incluindo seus chefes, para que eles tomem uma atitude e possam invadir a fortaleza.

Mas muitos deles relutam em tomar qualquer ação, temendo que Bin Laden não esteja na casa – apesar das provas indicarem imensas chances dele estar lá – e inocentes sejam sacrificados, o que não seria nada bom para a imagem dos EUA, principalmente porque o país estava em ano de eleição e o presidente Obama almejava ser reeleito – o que acabou ocorrendo.

Com quase três horas de duração, a produção pode se mostrar um pouco extensiva no começo – o que é perfeitamente normal, já que se trata de um filme histórico em que o contexto precisa ser devidamente apresentado e explicado para o entendimento da plateia – mas envolve sobremaneira os espectadores conforme a trama se desenrola e os conduz à expectativa de que Maya está prestes a cumprir o objetivo pelo qual lutara por tantos anos.

O desfecho é sensacional! Mesmo já sabendo qual será o destino de Bin Laden, o longa acaba prendendo o fôlego de muitos espectadores, pois os planos cinematográficos – compostos unicamente por planos fechados e movimentos de câmera – nos proporcionam o mesmo ponto de vista da equipe da Marinha Americana, que invadiu a fortaleza para capturar o líder da Al Qaeda, trazendo muito mais realidade para as cenas durante minutos que se parecem horas diante da tensão constante.

O longa foi brilhantemente dirigido por Kathryn Bigelow – primeira mulher a ganhar o Oscar de Melhor Direção, em 2010, pela sua produção Guerra ao Terror, que levou mais cinco estatuetas incluindo Melhor Filme, desbancando o favorito da época Avatar, do diretor James Cameron, ex-marido de Kathryn. A diretora de A Hora Mais Escura trabalha a trama desprovida de emoções, narrando a história como ela realmente é, o que acaba se aproximando ainda mais dos fatos verídicos. A frieza dos terroristas em matar não-muçulmanos e ocidentais e a neutralidade presente na face dos agentes da CIA enquanto torturam terroristas, como se estivessem fazendo qualquer outro tipo de trabalho, contribuem para deixar o público ainda mais familiarizado com as realidades apresentadas.

Vale ressaltar que, ao contrário de muitos longas norte-americanos, que retratam grandes feitos cometidos pelos EUA, enaltecendo e enfeitando os atos heroicos destes, muito além do que realmente foram na história real, o filme de Kathryn retrata com realidade a triste violência cometida tanto pelos terroristas quanto pelos agentes da CIA, dispostos a sacrificar os primeiros da forma mais bruta possível.

Uma das cenas mostra uma gravação verídica do próprio presidente Barack Obama, dando uma declaração à mídia sobre a inexistência de atos de tortura pelos agentes da CIA, enquanto alguns destes assistem à entrevista pela TV, direto do Paquistão, com certo ar de surpresa. Não obstante nada seja dito, a mensagem já fica subentendida.

O filme acabou gerando polêmica nos EUA justamente pela forma como a CIA foi retratada, mas o roteirista da trama, Mark Boal, foi atrás de testemunhas da vida real para recriar a história da forma mais fiel possível.

A Hora Mais Escura concorre à cinco estatuetas do Oscar, incluindo Melhor Direção, Filme e Atriz (Jessica Chastain). A produção tem tudo para acirrar ainda mais uma das mais competitivas disputas aos prêmios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos últimos anos. A não ser é claro que a filmagem de uma história tão polêmica cause certo “incômodo”  em alguns críticos da Academia, numa cerimônia que ainda é muito “norte-americanizada”. 

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Os Miseráveis



Escrita em 1862 pelo grande poeta, dramaturgo, ensaísta, ativista e artista francês Victor Hugo, uma das mais famosas obras literárias, que se consagrou em diversas partes do mundo, volta aos telões para encantar e emocionar plateias: Os Miseráveis, dirigido por Tom Hooper, o mesmo diretor de O Discurso do Rei (2010), que levou quatro estatuetas do Oscar em 2011, incluindo Melhor Filme e Direção.

Depois de passar por diversas montagens e adaptações nos cinemas e na TV, agora os telões ganham uma versão musical da história de Victor Hugo, que foi encenada neste estilo pela primeira vez, em 1980 no Palais des Sports, em Paris, com direção de Robert Hossein, música de Claude-Michel Schönberg e libreto escrito por Alain Boubil.

A partir de então, essa nova versão – que ganhou adaptações de Schönberg e Boubil –passou por vários lugares, chegando à Broadway em 1987.

A trama se passa na França do século XIX, entre as Batalhas de Waterloo e os motins de 1832, e traz uma mescla de ação, suspense, tensão e – como não poderia faltar nas renomadas obras literárias – uma história de amor repleta de obstáculos que impeça um casal de pombinhos de ficar juntos. Os Miseráveis se desenrola em torno de Jean Valjean (Hugh Jackman), um cidadão francês que permaneceu 19 anos atrás das grades por ter roubado um pão. Ele só consegue escapar dessa quando adquire liberdade condicional e aproveita para fugir de vez, sem que algum inspetor policial o aviste.

Passados alguns anos, Valjean assume outra identidade e, depois de ser salvo por um bispo de quase ir para a prisão novamente, está disposto a fomentar seu instinto caridoso, fazendo apenas o bem e ajudando a quem precisar. Ele agora se torna empresário e prefeito de uma cidade e está disposto a ajudar Fantine (Anne Hathaway) – uma costureira que perde o emprego e, no desespero para conseguir um sustento que a permita criar sua filha Cosete (Isabelle Allen), se torna prostituta e acaba adoecendo gravemente. Após conhecer seu drama, Valjean decide adotar a criança e oferecer todo o suporte necessário a ela.

Todavia, ele não contava com um grande entrave em sua vida: o encontro com o inspetor Javert (Russel Crowe), que o maltratou por muitos anos enquanto Valjean esteve na prisão. Apesar de não reconhecer o ex-prisioneiro nos primeiros instantes em que o vê, conforme a frequência de encontros casuais entre os dois aumenta, a desconfiança do inspetor também se eleva até que, em determinado momento, Javert passa a ter certeza da verdadeira identidade do protagonista da trama.

Jean Valjean decide então fugir com Cosete sem saber que destino tomar. Mais uma vez o público é levado para anos à frente daquele momento e nos deparamos com uma Cosete já crescida (agora interpretada pela Amanda Seyfried) e no auge de sua bela juventude. O amor começa a ganhar ênfase na trama a partir do momento em que a garota cruza com Marius (Eddie Redmayne), um jovem revolucionário que, junto com um grupo de amigos, está disposto a enfrentar a guarda francesa e lutar pelos seus direitos, mesmo com a ínfima chance de vitória para os jovens rebeldes.

Apesar da impecabilidade em sua produção, este é um filme realmente destinado aos verdadeiros amantes de musicais, já que ele é todo cantado e praticamente não contém quase nenhuma fala estrita, ao contrário de outras produções do gênero que utilizam da música como um complemento e aprimoramento do contexto falado apresentado.

Outra questão que pode incomodar alguns é o tempo de duração da trama – quase três horas – que se mostram desnecessárias em razão de algumas cenas extensivas e cansativas. Porém, nem este fator (aliado à má cantoria de Russel Crowe, que definitivamente assusta os ouvidos com o seu conturbado agudo) mostra-se prejudicial para a produção do filme como um todo.

Mesmo não tendo escalado atores profissionais de canto – o diretor diz tê-lo feito propositadamente alegando que a não perfeição tem muito mais proximidade com a realidade – o elenco está incrível, tanto na atuação quanto na interpretação musical.

O destaque da trama vai para a atriz Anne Hathaway, que está excepcional na atuação da personagem Fantine, principalmente quando ela canta, em um dos momentos mais marcantes do longa, a canção I Dreamed a Dream totalmente entregue ao drama da história, que chega a ser difícil não se emocionar.

Os atores Sacha Baron Cohen (que se destacou em Bastardos Inglórios) e Helena Bohnam Carter formam um casal excelente na incorporação de personagens trambiqueiros e vigaristas, que eram responsáveis por cuidar de Cosete enquanto a mãe da menina saia em busca de sustento.

O desfecho do filme também se revela espetacular e arranca lágrimas da plateia. Todo o longa foi praticamente filmado por cenas em plano fechado, a fim de passar o ponto de vista emocional de cada personagem. Se Hooper não tivesse exagerado na extensão de algumas cenas, a produção teria ultrapassado o nível de 100% em perfeccionismo.

Os Miseráveis concorre ao Oscar em oito categorias incluindo Melhor Filme, Ator (Hugh Jackman) e Atriz Coadjuvante (Anne Hathaway). 

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

Veja abaixo o trailer oficial do filme:



quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Camille e Rodin



Um espetáculo que mistura romance, paixão extrema, obsessão e até mesmo insanidade tentando encontrar o equilíbrio entre a sutileza e os mais desvairados sentimentos: assim é Camille e Rodin, peça que traz para os palcos a conturbada história de amor entre dois escultores franceses, baseada em fatos reais.

Leopoldo Pachecco interpreta Auguste Rodin (1840 – 1917), um homem aparentemente calmo e sutil, que passa horas em sua galeria esculpindo obras encomendadas, principalmente, pela classe elitista. Sua rotina muda completamente quando ele conhece a jovem Camille Claudel (1864-1943) – papel de Melissa Vettore – que vai até Paris para aprender a esculpir com Rodin.

Não demora muito para surgir um clima de romance no ar e os dois artistas se envolverem um pelo outro. Mas o sentimento é conturbado por uma série de conflitos não só internos como externos, já que àquela época ainda predominava uma sociedade de concepções machistas, que concebiam à mulher apenas as funções domésticas e de proteção e cuidado familiar.

Sendo assim, Camille se vê obrigada a enfrentar diversos entraves na concretização de seu objetivo de se tornar uma escultora na condição de mulher, inclusive com o próprio Rodin, a quem ela culpa por retardar o ensino artístico a ela. Para Camille, ele tem a consciência interna de que ela não poderá ser uma grande artista, apesar de encorajá-la a tal feito, simplesmente por ser mulher. Revelações inesperadas também contribuirão para que a jovem francesa se exalte gradativamente com Rodin.

Dirigido por Elias Andreato, a peça narra a trama em dois tempos, trazendo o passado e o presente simultaneamente. Esta é uma forma temporal que vem cada vez mais sendo trabalhada pelos diretores teatrais e parece atrair muito mais a atenção do público, que precisa ficar atento às cenas de momentos distintos que parecem se entrelaçar na trama.

O espetáculo é totalmente humanizado pelos conflitos sentimentais que perpetuam a vida do ser humano de forma extremada ou suavizada. Durante os 75 minutos de duração da peça, a personagem Camille revela o crescimento gradativo, dentro de si, de um amor obsessivo por Rodin. A obsessão é tamanha que atinge a sanidade da jovem e a coloca em um verdadeiro estado de transe em diversos momentos.

A disputa de poder com o escultor francês por parte de Camille, que insiste em admitir que Rodin teme ser superado pelo sucesso da moça e por isso ele tenta ocultá-la em sua galeria, começa a ganhar tal ênfase de modo que, mesmo nos momentos em que tem seu talento reconhecido pela crítica, ela viaja entre realidade e fantasia criticando e se exaltando exageradamente com o escultor.

Se Camille se destaca pelo seu tom explosivo, Rodin se caracteriza pelo oposto, aparentando um semblante brando e sutil, que se transforma somente quando a escultora ultrapassa todos os limites dele.

A atriz Melissa Vettore está excelente em seu papel, conduzindo a plateia para os momentos de insanidade da personagem, cuja mente está tomada por deturpações. Seu talento não ofusca o brilhantismo de Leopoldo Pacheco, que se entrega aos sentimentos exatamente opostos aos da personagem de Melissa interiorizando suas emoções e tentando sempre abrandá-las.  

O espetáculo permanece em cartaz até 31 de Março no teatro do MASP.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Lincoln



Liderando o número de indicações ao Oscar (a produção concorre em 12 categorias incluindo Melhor Filme, Direção, Roteiro Adaptado e Ator para Daniel Day Lewis) Lincoln tem todos os atributos que podem levá-lo a ser o destaque da noite de premiações da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

Dirigido por Steven Spielberg, o filme retrata a luta de um dos mais famosos e renomados presidentes dos EUA, Abraham Lincoln (Daniel Day Lewis), e sua quase incessante e dificílima luta em conseguir no Congresso Norte-Americano a aprovação da 13ª Emenda, abolindo de vez a escravidão.

A trama se passa entre 1864 e 1865, durante a Guerra da Secessão (guerra civil ocorrida nos EUA, entre 1861 e 1865), fundamentada basicamente na luta entre 11 Estados Confederados do Sul latifundiário e aristocrata e os Estados do Norte industrializado. Em 1860, ao assumir a presidência, Lincoln recebeu um país dividido –– no qual a Região Norte estava amplamente desenvolvida e destacada economicamente, enquanto no Sul concentrava-se um regime basicamente agrário que se sustentava por meio do trabalho escravo.

Em 1861 - quando os EUA possuíam 19 estados livres, nos quais a escravidão era proibida, e 15 estados onde era permitida – 11 estados escravagistas do Sul declararam secessão da União e deram início à guerra oficialmente quando atacaram um posto militar norte-americano da Carolina do Sul. O conflito resultou na morte de vários soldados dos EUA e foi base estratégica para o plano de Lincoln de abolir a escravidão.

Para conseguir a aprovação da emenda, o presidente norte-americano precisaria do apoio de republicanos e também de alguns democratas – os quais eram diametralmente contra a libertação dos escravos – lançando mão de uma série de diálogos e acordos muito bem elaborados e estrategicamente pensados, entre os quais o argumento que a abolição contribuiria para o fim da guerra civil.

Embora no começo a produção possa parecer algo extensa e cansativa, já que é necessário mostrar ao espectador o contexto da trama, fundamentada quase exclusivamente no diálogo, ela nos envolve gradativamente conforme ganha corpo a ambição de Lincoln em concretizar seu objetivo.

A produção de Spielberg – diretor recordista em filmes na lista das 100 maiores tramas de todos os tempos – que sempre priorizou filmes que trabalhem a emoção mesclada à ação e aos efeitos especiais que deslumbram os olhos da plateia, não é o seu tipo de trabalho cinematográfico mais característico. Em Lincoln, o que prevalece durante suas quase três horas de exibição são a riqueza e intensidade do diálogo político, que não conta uma biografia e o drama pessoal nela embutida, mas uma mudança crucial para a nação estadunidense e todos os esforços despendidos para alcançá-la – inclusive a de bens e vidas humanas.

Não obstante, o diretor arrasa e faz um trabalho praticamente impecável – que talvez peque apenas no final com um pequeno prolongamento um tanto desnecessário, mas que certamente não será nenhum entrave para impedir o filme de conquistar os principais prêmios do Oscar – Daniel Day Lewis, por exemplo, tem grandes chances de conquistar a estatueta de Melhor Ator. Ele está incrível em seu papel ao interpretar um Lincoln que criou uma espécie de “armadura” para aparecer em público, interiorizando ao máximo todas as suas emoções e sentimentos diante da pressão que sofria em razão de seu cargo, e de ser obrigado a representar para o povo uma imagem que não necessariamente era a sua.

A sutileza e a frieza do protagonista também estão presentes na forma como a história é narrada, já que Spielberg procura enaltecer o grande momento histórico e conduzir a trama sob o prisma analítico de Lincoln. Vale a pena conferir o filme e tirar suas próprias conclusões.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Toda Nudez Será Castigada



Escrita por um dos maiores dramaturgos brasileiros, famoso por escrever peças polêmicas, onde os personagens expõem as feridas mais agudas e pesadas da sociedade, Nelson Rodrigues, a peça Toda Nudez Será Castigada convida a plateia a fazer uma profunda reflexão do ser humano, despido de sua camada de superficialidades, chegando ao íntimo do inconsciente habitado pelos mais perversos pensamentos e habilidades.

A peça narra a história de um viúvo chamado Herculano (Leonardo Ventura), que se apaixona pela prostituta Geni (Ondina Clais Castilho), com quem vive uma conturbada relação de amor, sexo, aproximação e distanciamento ao mesmo tempo. Os dois pretendem se casar, mas para isso terão de lidar com um grande entrave que é o filho de Herculano, Serginho (Lucas Rodrigues), um garoto que tem aversão ao sexo e fez seu pai lhe prometer que não se envolveria com mais ninguém depois de ficar viúvo.

Três tias solteironas e de ideologias extremamente puritanas passam todo o tempo ao lado do garoto influenciando sua mente ainda mais, para que Herculano jamais ao menos olhe para outra mulher. O viúvo ainda não contava com as artimanhas de seu irmão Patrício (Marcos de Andrade) - um homem de presença, cuja aparência esconde uma gigantesca hipocrisia dentro de si – que no fundo queria ver Herculano destruído. De olho na riqueza financeira do irmão, Patrício faz de tudo para prejudicá-lo de modo sutil sem que ele perceba.

Com a direção do talentoso Antunes Filho e elenco pertencente ao Grupo de Teatro Macunaíma, a peça segue a linha original rodriguiana e tem como destaque a atuação da atriz Ondina Clais, quem confere uma vivacidade estupenda ao seu personagem, de modo a reduzir a presença em cena de outros atores em alguns momentos.

Não há como não perceber a “mão rodriguiana” presente em palco durante os 60 minutos de espetáculo. A exposição íntima e reveladora dos personagens revelam as fraquezas mais árduas e provocantes do ser humano, capazes de ferir e dilacerar almas, apenas intensificando o gênero tragédia da peça. Vale ressaltar o fato da personagem de Geni ser representada, nesta direção de Antunes, como um fantasma, exteriorizando a representação de seu subconsciente.

Uma mescla de sentimentos e angústias forma uma história que trabalha o maniqueísmo e nos convida a refletir as ambiguidades apresentadas pelo autor. Durante a apresentação é possível fazer uma análise invasiva do inconsciente despido de todas as superficialidades, que dominam o consciente do ser humano, revelando seu verdadeiro eu.

Em 2012 Nelson Rodrigues completaria 100 anos. Suas obras continuam e certamente continuarão por muitos anos a serem encenadas, lidas e analisadas por gerações de todo o mundo.

Toda Nudez Será Castigada permanece em cartaz até 3 de março no SESC Consolação em São Paulo.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas