quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Maria do Caritó




Dotada de um humor leve e bem trabalhado, a peça Maria do Caritó arranca gostosas risadas da plateia ao trazer para os palcos um pouco da cultura nordestina – que por si só, exala toda uma expressividade típica do povo da região – agregada a um teatro voltado muito mais para a exteriorização dos sentimentos, expressos no corpo e na face dos personagens de modo tão intenso que chega a ganhar toques surreais perfeitamente encaixados no contexto do enredo.

A trama narra a história de uma mulher virgem prestes a completar 50 anos, chamada Maria do Caritó (papel de Lilia Cabral), que foi prometida a “São Djalminha” após ter nascido de um parto difícil, segundo narra seu pai (Fernando Neves). Desesperada para encontrar um noivo que se apaixone por ela de verdade, a carismática solteirona se lança a todos os tipos de simpatia e promessas para Santo Antônio, a fim de encontrar sua cara metade.

Seu pai é quem acaba não gostando nada da história, alegando que a filha está cometendo uma espécie de “traição” com São Djalminha, ao pedir um marido para Santo Antônio. Além disso, ela é conhecida por toda a região onde mora como Santa Maria do Caritó por fazer “milagres” a todos que lhe pedem auxílio, mas ela mesma afirma não ser santa e que aqueles que a procuram são curados em razão da própria fé.

A suposta “santa” vê a chance de viver um grande amor quando conhece uma trupe circense que chega à cidade nordestina onde ela mora. Depois de ouvir de uma cartomante (também interpretada por Fernando Neves) que encontraria o seu “príncipe encantado” em um circo que passaria pela região, ela se apaixona por um dos artistas da trupe (papel de Eduardo Reyes) acreditando ser ele o homem de seus sonhos.

Para conquistá-lo, resolve participar do espetáculo atuando como palhaça, escondida de seu pai, que ficaria furioso se soubesse que a filha está enturmada com um grupo circense, o qual para ele é símbolo de baixaria e impureza. A partir de então, altas confusões acontecem envolvendo principalmente a protagonista, seu pai e toda a turma do circo.

Com um cenário simples, composto por vários apetrechos que fazem alusão a muitas cidades nordestinas repletas de humildes casas, cujos moradores seguem preceitos bem tradicionalistas e conservadores, o espetáculo revive essa cultura tão enraizada em nosso país através mesmo é do elenco, pois este incorpora perfeitamente os papéis, levando o público a viajar para essa humilde região nordestina habitada por personagens tão engraçados e encantadores.

Todas as inquietações sentimentais de Maria do Caritó e as confusões em que ela se mete são brilhantemente interpretadas por Lilia Cabral, que mantém o mesmo nível enérgico para o seu papel do começo ao fim, sem errar nas doses de atuação. Ela faz excelentes incorporações, encarando até mesmo imitações cômicas em determinado momento da peça, que chegam a arrancar aplausos do público.

Mas a grande atuação de Lilia não chega a ofuscar o trabalho dos demais atores que também não deixam a desejar e produzem uma atuação conjunta que se constitui no verdadeiro destaque do espetáculo. A atriz Dani Barros, por exemplo, que encara várias personagens que aparecem no caminho da protagonista durante a trama, dá um show de expressão corporal, interpretando até mesmo uma galinha desengonçada.

Escrita por Newton Moreno e dirigida por João Fonseca, a peça é uma excelente indicação para quem quiser se divertir com um humor leve e descontraído.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Hamlet




Interpretar um clássico teatral não é tarefa fácil, além de exigir de todo o elenco e direção um completo conhecimento dos personagens, enredo, contexto histórico e, principalmente, os sentimentos que surgem por trás da trama, é necessário saber identificar e transmitir ao público aquele toque especial que faz a história se consagrar por gerações e gerações alcançando a imortalidade, tamanho é o seu sucesso.

E obviamente não seria diferente com as obras de um dos maiores dramaturgos que o mundo já conheceu: William Shakespeare. Seu talento consistia em colocar o ser humano e suas fraquezas como o tema de muitas peças, passando mensagens morais de forma sutil, de acordo com os estilos classicistas e tradicionais daquela época, e, ao mesmo tempo, combinar imagens e ações que transmitiam e transmitem à plateia o verdadeiro objetivo da trama.

 É assim em Hamlet, um dos exemplos mais concretos de como Shakespeare era genioso ao expor a “podridão” da sociedade em uma mistura de ironia, mentiras, traições – entre outras fraquezas próprias do ser humano – que são suavizadas e intensificadas ao mesmo tempo.

Toda essa combinação sentimental que influencia gerações por séculos e séculos é representada nos palcos do Teatro Tuca, em São Paulo, onde Thiago Lacerda é Hamlet, o príncipe dinamarquês que, ao ser assombrado pelo fantasma do pai, (papel de Antonio Petrin) – que o alerta dizendo ter sido assassinado pelo seu próprio irmão Cláudio (Eduardo Smerjian), tio de Hamlet, para se tornar rei da Dinamarca – pensa numa forma de vingá-lo para alívio da alma de seu pai.

Ao se deparar com sua mãe (Selma Egrei) se casando com Cláudio, Hamlet se desespera ainda mais, pois não aceita que ela se case com o tio, passado tão pouco tempo da morte de seu verdadeiro marido. Então o príncipe pensa em uma forma de descobrir se Cláudio é realmente o assassino para, a partir daí, perpetrar sua vingança.

O genial toque shakesperiano ocorre quando o príncipe dinamarquês finge estar louco para confundir os integrantes do reino que convivem com ele, conseguindo assim revelar, frente à plateia, a verdadeira personalidade de muitos personagens que vivem sob aparências. Ele chega até mesmo a fingir estar apaixonado por Ofélia (Anna Guilhermina), a filha de Polônio (Roney Fachini), o conselheiro-chefe do rei Cláudio, para que enquanto os outros atribuam a sua insanidade ao amor não correspondido da garota, ele possa cumprir suas metas e revelar os segredos mais profundos escondidos naquele reino.

Hamlet é o exemplo típico de peça que exige de toda a equipe teatral o desafio de encontrar a dose certa de interpretação para se imergir nos personagens, de modo que porcentagens mínimas de excessos ou reduções interpretativas se desviam do propósito da peça e deixam de ter o caráter shakesperiano. Mas Lacerda parece ter encontrado o tom certo do seu Hamlet, revelando à plateia toda a intensidade e vivacidade do personagem.

Apesar de não ousar em cena, pois é perceptível que o ator cumpre a risca tudo que está traçado no roteiro, sem arriscar inovações que possam se encaixar ao personagem, o ator consegue se destacar e deixar nítido para o público o seu crescimento em cena à medida que a peça se desenrola.

Vale ainda destacar a excepcional atuação de dois integrantes do elenco: o primeiro é Antônio Petrin no papel do fantasma. O ator trabalha seu personagem de forma tão enérgica e intensa que chega até mesmo a roubar a atenção da plateia sobre Hamlet em alguns momentos que contracena com Lacerda.

Toques humorísticos bem aplicados no contexto couberam ao ator Roney Fachini, que descontraiu o público em diversos momentos ao interpretar Polônio e um coveiro, este que já traz dentro de si uma comicidade muito bem explícita no palco do teatro Tuca. É o segundo grande destaque da montagem.

Dirigido por Ron Daniels, o espetáculo se desvia um pouco da originalidade da obra ao contar a história em um período à frente daquele em que a trama é narrada por Shakespeare, mas não deixa de preservar momentos tão valiosos como o desfecho trágico da peça que leva a plateia para junto das ações ocorridas no palco.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas