Quando você se olha no
espelho e fica um tempo refletindo sobre si mesmo, já parou para pensar que
podem existir várias versões suas baseadas em diferentes pontos de vista
construídos a seu respeito por cada pessoa que possui algum tipo de contato
contigo? Calma! Não é que existem várias cópias suas caminhando por aí, mas sim
diferentes opiniões sobre você, afinal cada um é de um modo e possui uma
distinta forma de se relacionar contigo, o que determina tantos conceitos sobre
uma única pessoa, no caso, você. Isso também pode acontecer com a verdade, que
não necessariamente tem apenas uma versão.
Toda esta reflexão
filosófica está presente na peça Assim É
(se lhe parece), em cartaz no teatro do Sesc Vila Mariana. Escrita pelo
grande dramaturgo italiano Luigi Pirandello – que ficou conhecido por renovar o
teatro com originalidade e humor diferenciado – esta comédia dramática narra a
misteriosa história de uma sogra, a Sra. Frola (Bete Dorgan), que vive só e
nunca visita a filha, limitando-se apenas a vê-la de longe da janela da casa
dela, onde ela vive com seu marido, o Sr. Ponza (Nicolas Trevijano).
O fato de genro e sogra
se encontrarem na própria casa da Sra. Frola levanta ainda mais suspeitas sobre
que mistérios eles escondem para explicar o motivo de viverem tão reclusos e enigmáticos.
Este cenário acaba atiçando a curiosidade de toda a vizinhança, que passa a se
dedicar quase que exclusivamente a entender o que acontece entre a Sr. Frola e
o Sr. Ponza, especialmente após o momento em que cada um apresenta a sua versão
para explicar o misterioso comportamento de mãe e filha não se encontrar nunca.
Uma das principais
obras de destaque de Pirandello, Assim É (se
lhe parece) mexe com a intelectualidade dos espectadores por meio de uma
perfeita conjunção de roteiro, figurinos e comportamentos cênicos. Algo que se mostra em evidência durante o
espetáculo e pertence a uma realidade fortemente presente na sociedade atual é
a vontade, às vezes até doentia, de sermos perfeitos espiões da vida alheia.
O próprio figurino e o
comportamento dos personagens trazem de forma explícita como a fofoca e a
curiosidade em saber a vida dos outros parece estar atrelada aos instintos
humanos. Os vizinhos usam roupas coloridas e se mostram o tempo todo ansiosos e
impacientes, revelando o lado bisbilhoteiro de cada um prestes a explodir a
qualquer momento. Ao mesmo tempo é possível notar uma Sra. Frola e um Sr. Ponza
muito mais contidos e comportados sempre de modo suspeito, especialmente o
genro, optando por roupas pretas que condizem com sua sempre séria e
melancólica feição.
Outro ponto fundamental
considerado o cerne desta peça é o fato de como encarar a verdade, que não
necessariamente se revela em uma única versão. Esta questão é muito ressaltada
pelo personagem Laudisi (Rubens Caribé), irmão da fofoqueira Sra. Amália
(Martha Meola). Ele tem um olhar muito mais observador e intrigante sobre como
as pessoas desperdiçam tempo em função da vida alheia e transita assim para a
visão de espectador ao lançar várias outras sugestões sobre um possível
desfecho do misterioso caso, em que tanto a versão da sogra quanto do genro
talvez sejam verdadeiras, apesar de completamente opostas, já que tudo pode ser
se assim parecer.
Por Mariana da Cruz Mascarenhas