sábado, 10 de maio de 2014

Assim é (se lhe parece)


Quando você se olha no espelho e fica um tempo refletindo sobre si mesmo, já parou para pensar que podem existir várias versões suas baseadas em diferentes pontos de vista construídos a seu respeito por cada pessoa que possui algum tipo de contato contigo? Calma! Não é que existem várias cópias suas caminhando por aí, mas sim diferentes opiniões sobre você, afinal cada um é de um modo e possui uma distinta forma de se relacionar contigo, o que determina tantos conceitos sobre uma única pessoa, no caso, você. Isso também pode acontecer com a verdade, que não necessariamente tem apenas uma versão.

Toda esta reflexão filosófica está presente na peça Assim É (se lhe parece), em cartaz no teatro do Sesc Vila Mariana. Escrita pelo grande dramaturgo italiano Luigi Pirandello – que ficou conhecido por renovar o teatro com originalidade e humor diferenciado – esta comédia dramática narra a misteriosa história de uma sogra, a Sra. Frola (Bete Dorgan), que vive só e nunca visita a filha, limitando-se apenas a vê-la de longe da janela da casa dela, onde ela vive com seu marido, o Sr. Ponza (Nicolas Trevijano).

O fato de genro e sogra se encontrarem na própria casa da Sra. Frola levanta ainda mais suspeitas sobre que mistérios eles escondem para explicar o motivo de viverem tão reclusos e enigmáticos. Este cenário acaba atiçando a curiosidade de toda a vizinhança, que passa a se dedicar quase que exclusivamente a entender o que acontece entre a Sr. Frola e o Sr. Ponza, especialmente após o momento em que cada um apresenta a sua versão para explicar o misterioso comportamento de mãe e filha não se encontrar nunca.

Uma das principais obras de destaque de Pirandello, Assim É (se lhe parece) mexe com a intelectualidade dos espectadores por meio de uma perfeita conjunção de roteiro, figurinos e comportamentos cênicos.  Algo que se mostra em evidência durante o espetáculo e pertence a uma realidade fortemente presente na sociedade atual é a vontade, às vezes até doentia, de sermos perfeitos espiões da vida alheia.

O próprio figurino e o comportamento dos personagens trazem de forma explícita como a fofoca e a curiosidade em saber a vida dos outros parece estar atrelada aos instintos humanos. Os vizinhos usam roupas coloridas e se mostram o tempo todo ansiosos e impacientes, revelando o lado bisbilhoteiro de cada um prestes a explodir a qualquer momento. Ao mesmo tempo é possível notar uma Sra. Frola e um Sr. Ponza muito mais contidos e comportados sempre de modo suspeito, especialmente o genro, optando por roupas pretas que condizem com sua sempre séria e melancólica feição.

Outro ponto fundamental considerado o cerne desta peça é o fato de como encarar a verdade, que não necessariamente se revela em uma única versão. Esta questão é muito ressaltada pelo personagem Laudisi (Rubens Caribé), irmão da fofoqueira Sra. Amália (Martha Meola). Ele tem um olhar muito mais observador e intrigante sobre como as pessoas desperdiçam tempo em função da vida alheia e transita assim para a visão de espectador ao lançar várias outras sugestões sobre um possível desfecho do misterioso caso, em que tanto a versão da sogra quanto do genro talvez sejam verdadeiras, apesar de completamente opostas, já que tudo pode ser se assim parecer.

Esta brilhante história de Pirandello ganha contornos vivos no palco com a ótima atuação do elenco, acompanhado de bom figurino e aspectos cenográficos. Bete Dorgan, Nicolas Trevijano e Rubens Caribé se envolvem totalmente nesta identidade teatral construída por Pirandello interpretando, respectivamente, a sogra, o genro e o duvidoso personagem Laudisi.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

sábado, 3 de maio de 2014

Noé


Um filme que já arrecadou mais de US$ 300 milhões, desde sua estreia no final de março até agora, em bilheterias de todo o mundo e um dos mais anunciados e esperados neste ano de 2014, Noé agradou uns e desagradou outros, porém continua atraindo inúmeros espectadores principalmente em razão da grande publicidade anunciada para sua estreia.

A trama – que inclusive se revela um paradoxo por se basear numa história bíblica e ser conduzida pelo diretor ateu Darren Aronofsky, diretor do espetacular Cisne Negro, ovacionado por público e crítica – traz a história do descendente de Set, filho de Adão e Eva, chamado Noé. Depois de ter alguns sonhos que acredita ser um aviso, o protagonista resolve construir uma arca de madeira para enfrentar um dilúvio que inundará toda a Terra.

Para isso, Noé (Russel Crowe) contará com a ajuda de guardiães, anjos caídos mandados pelo Criador, como ele sempre se refere a Deus, que no filme aparecem em formato de rochas gigantescas que se movimentam, conversam e ajudam a construir a arca e proteger Noé de alguns perigos que ele enfrenta. Noé então embarca na arca, acompanhado da mulher (Jennifer Connelly), dos três filhos (Logan Lerman, Douglas Booth e Leo McHugh Carroll), de uma órfã (Emma Watson) adotada por eles e de um par de cada espécie de animal presente na Terra.

Se você conhece bem a história bíblica envolvendo Noé, esqueça-a por um momento quando for assistir a esta produção, que limita sua fidelidade à Bíblia apenas em mostrar o protagonista construindo uma arca e embarcando nela junto com sua família e os animais para enfrentar o dilúvio.  Todos os demais elementos trabalhados nesta trama revelam muito mais o toque ousado do diretor em preencher a produção com muitos efeitos fictícios do que investir nas relações humanas entre os personagens.

O filme quase não possui um contexto histórico enriquecido por diálogos e interações humanas, mas sim uma série de efeitos especiais envolvendo guerras, tempestades e outros truques cinematográficos trabalhados no mundo digital. Apesar de todo alarde feito em torno desta produção de Aronofsky, ela não se sobressai na encenação da história, se limitando a ser apenas mais uma das inúmeras famosas produções estadunidenses repletas de explosões, gritos, correria, em que o ruído destas cenas constitui a principal e quase única sonoridade da trama, que mal preza os diálogos apresentados.

Tudo bem se a trama não se apresenta quase nem um pouco fiel à história bíblica – como, por exemplo, no momento em que Noé sonha com o Dilúvio – porém, segundo a Bíblia, ele recebe um chamado de Deus – ou a tentativa de invasão à arca que só acontece no filme, e ainda a gritante cena de rochas digitais representando anjos se movimentando ao lado de Noé, algo inexistente na Sagrada Escritura – mas a ousadia do diretor poderia se aplicar num trabalho mais enriquecedor no que tange ao contexto histórico. No entanto, Aronofsky se dedica apenas aos grandes efeitos especiais que, apesar de serem muito bem elaborados, mal compõem uma sequência atraente para os espectadores, que não precisarão grudar os olhos na tela durante todo o tempo de filme para saber o que se passa, facilitando assim a dispersão.

O que ajuda a entreter a plateia é a atuação do elenco, que se mostra fiel ao papel, especialmente aos poucos diálogos que são expressos em sua máxima interpretação, com destaque para o ator Russel Crowe quem, como de praxe, vai além do que o papel lhe impõe de modo extremamente envolvente.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas