sábado, 10 de maio de 2014

Assim é (se lhe parece)


Quando você se olha no espelho e fica um tempo refletindo sobre si mesmo, já parou para pensar que podem existir várias versões suas baseadas em diferentes pontos de vista construídos a seu respeito por cada pessoa que possui algum tipo de contato contigo? Calma! Não é que existem várias cópias suas caminhando por aí, mas sim diferentes opiniões sobre você, afinal cada um é de um modo e possui uma distinta forma de se relacionar contigo, o que determina tantos conceitos sobre uma única pessoa, no caso, você. Isso também pode acontecer com a verdade, que não necessariamente tem apenas uma versão.

Toda esta reflexão filosófica está presente na peça Assim É (se lhe parece), em cartaz no teatro do Sesc Vila Mariana. Escrita pelo grande dramaturgo italiano Luigi Pirandello – que ficou conhecido por renovar o teatro com originalidade e humor diferenciado – esta comédia dramática narra a misteriosa história de uma sogra, a Sra. Frola (Bete Dorgan), que vive só e nunca visita a filha, limitando-se apenas a vê-la de longe da janela da casa dela, onde ela vive com seu marido, o Sr. Ponza (Nicolas Trevijano).

O fato de genro e sogra se encontrarem na própria casa da Sra. Frola levanta ainda mais suspeitas sobre que mistérios eles escondem para explicar o motivo de viverem tão reclusos e enigmáticos. Este cenário acaba atiçando a curiosidade de toda a vizinhança, que passa a se dedicar quase que exclusivamente a entender o que acontece entre a Sr. Frola e o Sr. Ponza, especialmente após o momento em que cada um apresenta a sua versão para explicar o misterioso comportamento de mãe e filha não se encontrar nunca.

Uma das principais obras de destaque de Pirandello, Assim É (se lhe parece) mexe com a intelectualidade dos espectadores por meio de uma perfeita conjunção de roteiro, figurinos e comportamentos cênicos.  Algo que se mostra em evidência durante o espetáculo e pertence a uma realidade fortemente presente na sociedade atual é a vontade, às vezes até doentia, de sermos perfeitos espiões da vida alheia.

O próprio figurino e o comportamento dos personagens trazem de forma explícita como a fofoca e a curiosidade em saber a vida dos outros parece estar atrelada aos instintos humanos. Os vizinhos usam roupas coloridas e se mostram o tempo todo ansiosos e impacientes, revelando o lado bisbilhoteiro de cada um prestes a explodir a qualquer momento. Ao mesmo tempo é possível notar uma Sra. Frola e um Sr. Ponza muito mais contidos e comportados sempre de modo suspeito, especialmente o genro, optando por roupas pretas que condizem com sua sempre séria e melancólica feição.

Outro ponto fundamental considerado o cerne desta peça é o fato de como encarar a verdade, que não necessariamente se revela em uma única versão. Esta questão é muito ressaltada pelo personagem Laudisi (Rubens Caribé), irmão da fofoqueira Sra. Amália (Martha Meola). Ele tem um olhar muito mais observador e intrigante sobre como as pessoas desperdiçam tempo em função da vida alheia e transita assim para a visão de espectador ao lançar várias outras sugestões sobre um possível desfecho do misterioso caso, em que tanto a versão da sogra quanto do genro talvez sejam verdadeiras, apesar de completamente opostas, já que tudo pode ser se assim parecer.

Esta brilhante história de Pirandello ganha contornos vivos no palco com a ótima atuação do elenco, acompanhado de bom figurino e aspectos cenográficos. Bete Dorgan, Nicolas Trevijano e Rubens Caribé se envolvem totalmente nesta identidade teatral construída por Pirandello interpretando, respectivamente, a sogra, o genro e o duvidoso personagem Laudisi.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

sábado, 3 de maio de 2014

Noé


Um filme que já arrecadou mais de US$ 300 milhões, desde sua estreia no final de março até agora, em bilheterias de todo o mundo e um dos mais anunciados e esperados neste ano de 2014, Noé agradou uns e desagradou outros, porém continua atraindo inúmeros espectadores principalmente em razão da grande publicidade anunciada para sua estreia.

A trama – que inclusive se revela um paradoxo por se basear numa história bíblica e ser conduzida pelo diretor ateu Darren Aronofsky, diretor do espetacular Cisne Negro, ovacionado por público e crítica – traz a história do descendente de Set, filho de Adão e Eva, chamado Noé. Depois de ter alguns sonhos que acredita ser um aviso, o protagonista resolve construir uma arca de madeira para enfrentar um dilúvio que inundará toda a Terra.

Para isso, Noé (Russel Crowe) contará com a ajuda de guardiães, anjos caídos mandados pelo Criador, como ele sempre se refere a Deus, que no filme aparecem em formato de rochas gigantescas que se movimentam, conversam e ajudam a construir a arca e proteger Noé de alguns perigos que ele enfrenta. Noé então embarca na arca, acompanhado da mulher (Jennifer Connelly), dos três filhos (Logan Lerman, Douglas Booth e Leo McHugh Carroll), de uma órfã (Emma Watson) adotada por eles e de um par de cada espécie de animal presente na Terra.

Se você conhece bem a história bíblica envolvendo Noé, esqueça-a por um momento quando for assistir a esta produção, que limita sua fidelidade à Bíblia apenas em mostrar o protagonista construindo uma arca e embarcando nela junto com sua família e os animais para enfrentar o dilúvio.  Todos os demais elementos trabalhados nesta trama revelam muito mais o toque ousado do diretor em preencher a produção com muitos efeitos fictícios do que investir nas relações humanas entre os personagens.

O filme quase não possui um contexto histórico enriquecido por diálogos e interações humanas, mas sim uma série de efeitos especiais envolvendo guerras, tempestades e outros truques cinematográficos trabalhados no mundo digital. Apesar de todo alarde feito em torno desta produção de Aronofsky, ela não se sobressai na encenação da história, se limitando a ser apenas mais uma das inúmeras famosas produções estadunidenses repletas de explosões, gritos, correria, em que o ruído destas cenas constitui a principal e quase única sonoridade da trama, que mal preza os diálogos apresentados.

Tudo bem se a trama não se apresenta quase nem um pouco fiel à história bíblica – como, por exemplo, no momento em que Noé sonha com o Dilúvio – porém, segundo a Bíblia, ele recebe um chamado de Deus – ou a tentativa de invasão à arca que só acontece no filme, e ainda a gritante cena de rochas digitais representando anjos se movimentando ao lado de Noé, algo inexistente na Sagrada Escritura – mas a ousadia do diretor poderia se aplicar num trabalho mais enriquecedor no que tange ao contexto histórico. No entanto, Aronofsky se dedica apenas aos grandes efeitos especiais que, apesar de serem muito bem elaborados, mal compõem uma sequência atraente para os espectadores, que não precisarão grudar os olhos na tela durante todo o tempo de filme para saber o que se passa, facilitando assim a dispersão.

O que ajuda a entreter a plateia é a atuação do elenco, que se mostra fiel ao papel, especialmente aos poucos diálogos que são expressos em sua máxima interpretação, com destaque para o ator Russel Crowe quem, como de praxe, vai além do que o papel lhe impõe de modo extremamente envolvente.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Rio 2


Depois de encantar e até emocionar plateias em meio a um cenário de animação deslumbrante, que demonstrava os principais cartões postais do Rio de Janeiro no filme Rio, a dupla de ararinhas-azuis Jade e Blu embarcam agora em outra aventura na mais nova produção do diretor brasileiro Carlos Saldanha – também dirigiu a Era do Gelo2 e Era do Gelo 3 – que estreou há pouco tempo nos cinemas: Rio 2.

Desta vez as simpáticas ararinhas-azuis – que conquistaram espectadores de todas as idades – já possuem três filhotes e embarcam com eles para a Floresta Amazônica a pedido de Jade, com o objetivo de conhecerem novas aves de sua espécie, que até então havia sido declarada em extinção, tendo como membros restantes apenas a família de Blu. O casal Túlio e Linda, dono das araras, também estão na floresta a procura das novas espécies.

Segue-se então uma sequência de perseguições e surpresas, incluindo a atrapalhada tentativa de Blu em se adaptar à vida selvagem após passar anos domesticado, em uma rotina confortável e segura. Mas o principal conflito da trama se dará em torno dos planos do vilão da história, um madeireiro que está prestes a desmatar a floresta e destruir o habitat das araras azuis, que precisarão impedir este ato. A famosa cacatua macho, que se consagrou como o grande vilão em Rio, volta aos telões para mais uma vez importunar a vida de Blu, mas seu jeito atrapalhado e desengonçado, juntamente com uma rã apaixonada por ele, faz com que ele mal consiga chegar perto do protagonista.   

Para quem assistiu a superprodução Rio, lançada em 2011, torna-se inevitável a sua comparação com esta nova trama de Saldanha com foco agora na Floresta Amazônica – o filme até chega a mostrar algumas imagens do Rio de Janeiro apenas no momento de abertura, quando Blu e sua família estão celebrando a passagem de ano em meio à queima de fogos em Copacabana. Especialmente os adultos podem se frustrar com esta nova obra do diretor brasileiro pela falta de criatividade presente no contexto, que se resume muito mais a perseguições e espetáculos coreográficos dos personagens do que uma envolvente história.

Todavia, o carisma e o humor das ararinhas e os efeitos visuais deslumbrantes, acompanhados de uma bela coreografia feita pelos animais da floresta, acabam por prender a atenção durante os 101 minutos de duração da trama, que agradará especialmente o público infantil, em razão da desenvoltura humorística inocente trabalhada nesta produção.

Enfim, Rio 2 também pode ser uma ótima indicação de filme para reunir a família que esteja simplesmente com o intuito de descontrair e divertir a criançada. 

Por Mariana da Cruz Mascarenhas

sábado, 12 de abril de 2014

A Madrinha Embriagada




Figurinos impecáveis, ricos em detalhes e iluminados pelas diversas luzes oriundas dos refletores colorem e alegram o palco do Teatro do Sesi para contar uma história simples e divertida que, apenas com sua leveza contextual,  se mostra capaz de descontrair até o mais sério dos espectadores: trata-se da comédia musical A Madrinha Embriagada, que tem direção de Miguel Falabella.

Para quem já é amante de musicais e está habituado a conferir estas superproduções verá que este é um espetáculo que se distingue um pouco dos demais no que tange a sua roteirização: a encenação da história é complementada por um ator que assume o papel de explicar à plateia tudo o que está se passando na trama, incluindo alguns truques de palco. Denominado o Homem da Poltrona (Ivan Parente), este personagem se encontra em sua residência, nos dias atuais, quando resolve ouvir um long play do espetáculo A Madrinha Embriagada, cuja primeira estreia ocorreu no ano de 1928, no Teatro São Pedro, em São Paulo.

A partir de então se dá início de fato à história do espetáculo que mostra a vida de uma musa do teatro, Jane Valadão (Sara Sarres), que resolve largar sua carreira artística para se casar com um empresário boa pinta e ricaço (Frederico Reuter). Jane está quase sempre acompanhada de sua madrinha (Stella Miranda, com Paula Capovilla no papel alternante), que foi contratada para cuidar da noiva antes do casamento, mas o problema é que ela mal consegue cuidar de si mesma, pois está sempre embriagada.

A notícia do casório acaba não agradando em nada o dono do teatro em que Jane se apresenta, o Sr. Iglesias (Saulo Vasconcelos), o qual, com o auxílio de uma corista (Kiara Sasso) – cuja voz é tão desafinada que chega a doer os ouvidos de quem tem o infortúnio de ouvi-la cantar – contrata um amante argentino chamado Adolpho (Cleto Baccic) para se envolver com a musa e assim estragar o casamento. Há ainda a participação de outros personagens com presença memorável para a plateia, como a dupla de ladrões (Rafael Machado e Daniel Monteiro) que se fingem de padeiros, o atrapalhado mordomo de Jane (Edgar Bustamante) e até mesmo uma aviadora (Adriana Caparelli).

Personagens estereotipados no máximo de sua essência, dotados de expressões cem por cento caricatas, revelando a máxima exteriorização e o exagero das emoções, marcam o estilo deste musical que nos remete a uma espécie de comédia pastelão – gênero do humor marcado pelo riso fácil, acompanhado de diálogos simples e ações bem expressivas.

A madrinha embriagada, personagem que leva o título da peça, em diversos momentos acaba dividindo a atenção da plateia com o Homem da Poltrona, o qual cresce em cena de modo tão acentuado que muitas vezes ganha toda a ovação dos espectadores para si, afinal este não é um papel fácil de fazer, tendo em vista que ele pode acabar por cansar o público com interrupções durante toda a trama para contar curiosidades e explicações do que se passa.

Todavia, o efeito gerado é justamente o contrário, já que existe uma brilhante sacada trabalhada sobre o Homem da Poltrona que interage e entretém o público do começo ao fim, saindo totalmente da linearidade narrativa.

Para isso, o grande talento de Ivan Parente em sua expressão corporal e vocal é a peça chave para cativar os espectadores e dar um brilho a mais na história, fazendo toda a diferença. Vale ressaltar as excelentes atuações de Saulo Vasconcelos, Kiara Sasso, Edgar Bustamente, Frederico Reuter e Paula Capovilla já conhecidos pelo grande carisma sobre a plateia, desde outros espetáculos encenados por eles.

Há que se destacar também a riqueza dos cenários, complementando a atuação do elenco e o brio dos figurinos. Enfim, trata-se de um espetáculo composto por uma trama bem simples e sem muitas surpresas, mas com uma gostosa comicidade, acompanhada de uma excelente produção capaz de arrancar altas gargalhadas de adultos e crianças, e o que é mais importante, com humor genuíno sem qualquer tipo de vulgar apelação.

Luiz Pacini, Luciano Andreys, Ivanna Domenyco, Fernando Rocha, Andrezza Massei, Will Anderson, Jana Amorim, Luana Zenun, Elton Towersey, Jessé Scarpelini, Anelita Gallo, Carol Costa, Max Oliveir e Ditto Leite completam o grande elenco desta produção.

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 

quinta-feira, 27 de março de 2014

Jesus Cristo Superstar


Inspirado numa das maiores histórias de todos os tempos, o espetáculo musical Jesus Cristo Superstar finalmente chega aos palcos brasileiros, trazendo a história das passagens de Jesus narradas na Bíblia, desde sua chegada em Jerusalém até a crucificação – o que, por si só, foi suficiente para levantar polêmicas nas mídias.

Trata-se de um musical em estilo ópera-rock de Andrew Lloyd Weber – considerado um verdadeiro mestre como compositor de musicais – com texto de Tim Rice e direção brasileira de Jorge Takla. Na trama é possível ver um Jesus Cristo (Igor Rickli) retratado de forma mais humanizada e menos heroica, inserido em um contexto social mais moderno, jovial e embalado pelo rock. Após assistir algum tempo de espetáculo já é possível perceber que a história traz passagens da vida de Jesus encenadas sob o ponto de vista de Judas (Alírio Netto), que na peça se apresenta como um roqueiro rebelde.

O novo e estilizado Judas retratado nos palcos se vê o tempo todo em confronto consigo mesmo, pois, ao mesmo tempo em que nutre um grande carinho por Jesus em razão da amizade duradoura entre ambos, não compreende o motivo de Jesus andar entre marginalizados e corruptos, prevendo um trágico fim para Cristo devido a este comportamento. Judas também se rebela como um ser revoltado pela forma como Jesus se expunha, alegando não entender o motivo de ele ter de passar por todas as provações que passou, enxergando-o como uma grande celebridade prestes a se tornar a maior de todos os tempos.

A peça se destaca pela desenvoltura corporal do elenco, sua envolvente atuação e alguns figurinos encantadores. Não há como não se impressionar com o grande talento do ator Alírio Netto, que se revela tanto em sua excelente voz – a qual chega a um belo e impressionante agudo no momento de cantar o rock – quanto na sua expressão corporal que se sobressai especialmente nos momentos de inconformismo do personagem.

Rickli também se mostra excelente em suas atuações e entonações vocais, formando com Netto uma dupla perfeita devido à interação cênica construída entre ambos, bem à vontade em seus papéis. No papel de Maria Madalena, Negra Li também encanta principalmente os ouvidos da plateia com sua voz brilhante e suave cantando canções em cenas emocionantes da história. Wellington Nogueira é outro ator que se revela brilhante no teatro fazendo o papel de Herodes e que, apesar de aparecer poucas vezes em cena, atua mais que o suficiente para se tornar memorável na mente dos espectadores.

Antes mesmo de sua estreia, Jesus Cristo Superstar foi motivo de protestos e reclamações especialmente por alguns segmentos religiosos que não gostaram da forma como Jesus é retratado no espetáculo, chegando a apontar críticas à forma muito próxima como Cristo e Maria Madalena se relacionam, sugerindo certa sensualidade. Todavia quem assistir ao musical se surpreenderá com estas críticas, que se comprovarão totalmente sem fundamento, já que a peça se resume a mostrar o lado mais humano de Jesus, retratando suas vivências aqui na Terra sob o olhar de um Judas que se revela mais agressivo e polêmico. Nada que desrespeite a história bíblica, mas sim que a transporte para os dias de hoje mostrando Cristo numa sociedade atual cercada por manifestações, corrupção e guerras. 

Por Mariana da Cruz Mascarenhas



segunda-feira, 17 de março de 2014

Philomena


Você seria capaz de perdoar alguém que lhe tirou o seu filho, ainda bebê, causando-lhe um sofrimento interminável por não saber mais o paradeiro dele, mesmo depois de muitos anos? Este é um dos profundos e emocionantes questionamentos que Philomena nos convida a fazer ao nos depararmos com uma sofrível e profunda história sobre até que ponto uma mãe pode ir para reencontrar seu filho.

Baseada numa história real documentada num livro lançado em 2009 pelo jornalista Martin Sixmith, esta trama conta a história de Philomena, uma jovem irlandesa católica (Sophie Kennedy Clark) que, no ano de 1952, se apaixonou por um rapaz e acabou engravidando dele. Mas o conservadorismo e o tradicionalismo fortemente presentes na época não permitiam jamais sexo fora do casamento – muito menos se resultasse em gravidez, o que significaria um grande vexame para as famílias religiosas da grávida, levando muitos pais a abandonar suas filhas dizendo aos demais que ela havia morrido.

Assim ocorre com a protagonista da história que, após ser dada como morta por seus próprios pais, acaba trancafiada num convento junto a diversas outras meninas que vivenciaram a mesma experiência de Philomena e, justamente por isso, são punidas pelas freiras, sendo forçadas a limparem e lavarem durante excessivas horas, tendo o direito de verem seus filhos por apenas uma hora ao dia – isso sem contar que estes bebês nasciam no próprio convento, sem qualquer ajuda médica, também “como castigo pelas meninas serem impuras”, segundo alegavam as irmãs, o que resultava na morte de muitas mães cujos corpos eram enterrados por ali mesmo.

Mas o que Philomena não contava era que, passado um ínfimo tempo do nascimento de seu filho, ele seria levado para bem distante dela pelas próprias irmãs da casa, que vendiam os filhos destas mães solteiras para famílias norte-americanas que estavam em busca de crianças para adoção.
Passados 50 anos, a protagonista (agora interpretada por Judie Dench) já é uma senhora residente em Londres e um pouco fragilizada pela idade avançada, que ainda expressa o mesmo ar sofrível de quando presenciou seu filho sendo levado embora – e não pôde fazer nada por impedimento das próprias freiras que não a deixaram sair dali. Ela então vê novamente a chance de reencontrar seu filho, quando sua filha (Sally Mitchell) conhece um jornalista desempregado, Martin Sixmith (Steve Coogan), que está tentando concluir um livro, cuja história não parece ser tão atraente assim.

Ao saber das experiências vividas por Philomena por meio de sua filha, Martin resolve ajudar a protagonista na busca de pistas que possam levá-las ao seu filho, contando com o patrocínio de uma editora que se vale de histórias cotidianas e o pressiona a documentar tudo em seu novo livro que pretende escrever – o qual, inclusive, é o que originou este filme.

Uma riqueza cênica muito presente nesta trama está no conflito de personagens entre o extremamente racional e calculista jornalista – que também é ateu, o que é visível até mesmo na forma ansiosa em como ele aguarda o desfecho da história de Philomena, apenas preocupado, inicialmente, em escrever uma boa obra que gere audiência – e a protagonista – uma doce senhora que procura colocar Deus à frente de tudo e sempre ver ao menos uma parcela de bondade nas pessoas com quem encontra.  

Este paradoxo presente na dupla principal da trama faz com que os personagens caminhem em paralelo e, à medida que aumentam o grau de envolvimento na descoberta do paradeiro do filho de Philomena, torna-se perceptível uma sinergia entre ambos.

Já a sinergia e também a grande interação entre os atores Judie Dench e Steve Coogan mostram-se excepcionais durante todos os 98 minutos de duração deste filme, dirigido por Stephen Fears, o que permite o sucesso da trama e nos leva a uma identificação com os personagens, gerando uma dúvida: O que será mais válido: dizer tudo o que vem à mente, sem controlar o tom, ou vencer o difícil obstáculo de conceder o perdão a quem nos prejudicou e, assim, sentir-se liberto para sempre?  

Por Mariana da Cruz Mascarenhas 



terça-feira, 4 de março de 2014

“12 Anos de Escravidão” encerra festa do Oscar com estatueta de Melhor Filme

“Gravidade” conquista 7 prêmios, sendo o líder de estatuetas na noite da festa do cinema


Depois de levar o Globo de Ouro, o BAFTA – considerado o Oscar Inglês –, e também o prêmio para filmes independentes norte-americanos, todos na categoria Melhor Filme, não foi surpresa para ninguém o anúncio de 12 Anos de Escravidão como vencedor do Oscar de Melhor Filme. O ator Will Smith foi quem anunciou esta premiação, considerada a mais esperada na noite da 86ª Cerimônia do Oscar, realizada no dia 2 de março de 2014 no Dolby Theatre em Los Angeles, seguida por um belo discurso de agradecimento do ator Brad Pitt, que é o produtor do filme e também fez uma pequena participação na trama, ganhando seu primeiro Oscar.

Com direção de Steve McQueen, o filme também conquistou as estatuetas de Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz Coadjuvante para Lupita Nyong’o, que se emocionou no momento de agradecer o prêmio. “Quando eu olho para a estátua dourada, espero que isto lembre todas as crianças pequenas que, não importa de onde você é, seus sonhos são válidos”, discursou a atriz, que é filha de pais quenianos, nascida no México e crescida na África. Na trama, Lupita interpretou brilhantemente uma escrava que sofre os mais atrozes castigos, como chibatadas que chegam a arrancar a pele de suas costas, além dos abusos sexuais cometidos por seu amo.

Um dos fortes motivos que pode ter levado a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas a premiar 12 Anos de Escravidão como o melhor filme está no fato de que não se trata apenas de mais uma produção destinada a explorar o tema da escravidão, mas sim de uma trama que soube retratá-lo de forma como nunca antes vista nos telões, chocando os espectadores com cenas detalhistas e muito mais próximas ao sofrimento coletivo vivido pelos escravos. Sem contar que se trata de uma obra baseada na história real de Solomon Northup – escravo livre do Norte estadunidense que foi sequestrado e levado ao Sul escravagista daquele país, sofrendo as mais diversas crueldades – quem narrou estas experiências em seu livro, que deu origem ao filme.

Gravidade, um dos líderes em indicações ao Oscar, foi quem mais levou estatuetas nesta festa do cinema, sendo premiado nas categorias Melhores Efeitos Visuais, Melhor Mixagem de Som, Melhor Edição de Som, Melhor Montagem, Melhor Fotografia, Melhor Trilha Sonora e Melhor Direção para o mexicano Alfonso Cuarón, primeiro diretor latino-americano a ganhar o Oscar. Mas não podia ser diferente com esta produção – que narra o desespero de dois astronautas que ficam dispersos no espaço depois que o ônibus espacial, onde se encontravam, é totalmente destruído por pedaços de satélite – já que ela se mostra praticamente impecável em termos de som, cenário e efeitos especiais.

Cuarón tem sacadas geniais ao fazer um verdadeiro jogo sonoro num cenário praticamente ausente de som, que é o espaço sideral. É perceptível, por exemplo, a presença absoluta do silêncio para caracterizar ao espectador o momento em que este é levado para dentro da imaginação da protagonista da história, interpretada por Sandra Bullock, que concorreu ao Oscar de melhor atriz, mas perdeu a disputa para Cate Blanchet, quem se destacou em Blue Jasmine, de Woody Allen. Quanto a Trapaça, que também liderou em indicações ao Oscar, este filme acabou não levando nenhuma premiação para casa.

Já os prêmios de Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante foram, respectivamente, para Matthew McConaughey e Jared Leto, ambos atuantes do Clube de Compras Dallas – produção que conta a história de um caubói homofóbico e mulherengo que passa a traficar AZT para os EUA, após descobrir que tem AIDS. McConaughey chegou a perder 20 quilos para interpretar o protagonista aidético.

Um dos momentos memoráveis desta cerimônia, especialmente para os brasileiros, foi a aparição da imagem do grande cineasta brasileiro Eduardo Coutinho, morto no ano passado, no telão do Teatro Dolby. O retrato de Coutinho apareceu entre diversas outras fotos de membros da indústria cinematográfica que faleceram em 2013 e foram homenageados pela Academia.

A festa do Oscar foi apresentada pela atriz Ellen DeGeneres, que se mostrou bastante à vontade com a plateia por meio de suas brincadeiras e piadas, ao contrário do que ocorre em muitas cerimônias de anos anteriores, cujos apresentadores se tornam tediosos com suas piadas sem graça e forçadas. Vale destacar ainda a tentativa de maior proximidade do evento com os telespectadores comuns, como nos momentos em que DeGeneres oferece pizza para a plateia de personalidades em pratos de plástico e ainda tira uma foto de seu iPhone – a chamada selfie, espécie de autorretrato – ao lado de diversos outros artistas, para postar em seu twitter, sendo este um dos momentos mais comentados do Oscar nas redes sociais.

Veja a lista completa de ganhadores do Oscar 2014: 

Melhor Filme: 12 Anos de Escravidão
Melhor Ator: Matthew McConaughey  - Clube de Compras Dallas
Melhor Atriz: Cate Blanchett – Blue Jasmine
Melhor Ator Coadjuvante: Jared Leto – Clube de Compras Dallas
Melhor Atriz Coadjuvante: Lupita Nyong’o – 12 Anos de Escravidão
Melhor Diretor: Alfonso Cuarón – Gravidade
Melhor Roteiro Original: Spike Jonze - Ela
Melhor Roteiro Adaptado: 12 Anos de Escravidão
Melhor Animação: Frozen – Uma Aventura Congelante
Melhor Filme Estrangeiro: A Grande Beleza
Melhor Documentário: A Um Passo do Estrelato
Melhor Documentário de Curta-Metragem: The Lady Number 6: Music Saved
Melhor Trilha Sonora: Steven Price – Gravidade
Melhor Canção Original: “Let it Go” – Frozen – Uma Aventura Congelante
Melhor Figurino: O Grande Gatsby
Melhor Cabelo e Maquiagem: Clube de Compras Dallas
Melhor Curta: Helium
Melhor Curta de Animação: Mr. Hubblot
Melhor Montagem: Gravidade
Melhores Efeitos Visuais: Gravidade
Melhor Fotografia: Gravidade
Melhor Desenho de Produção: O Grande Gatsby
Melhor Edição de Som: Gravidade
Melhor Mixagem de Som: Gravidade 

Por Mariana da Cruz Mascarenhas